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mar 26 2020

A GENTE VIVIA NO PARAÍSO. MUITOS DE VOCÊS PEDIRAM O INFERNO. ACABOU DE CHEGAR

Vou passar pra vocês uma lição de 60 anos atrás.

Válida demais para hoje – para agora.

Eu tinha cerca de 10 anos. Precoce, era o parceiro da minha mãe nas compras (ela tinha apenas 30 anos). A gente andava juntinho,  como dois irmãos.

Entramos no principal magazine de Salvador, na famosa Rua Chile, hoje ruína. Minha mãe ia comprar panos finos para costurar.

No balcão, três mulheres compradoras.

A primeira atendida era uma mocinha bem morena, meio espalhafatosa. Ela ficou chateada com algo. De repente, soltou um rápido discurso, naquele sotaque agudo das baianas:

–“Nada funciona nesta terra. Vamos ser atrasados para sempre. Só mesmo uma guerra para consertar tanta coisa errada”.

Discreta e fina, a grande Cecília arregalou os olhos, envergonhada. Ao lado dela, o pequeno repórter vibrava com o inesperado.

De repente, a terceira cliente do balcão assumiu o comando dos debates.

Era uma mulher muito elegante, bem branca, com roupa certamente importada, olhos bem azuis – mas com rosto bem marcado, quase bonita. Inesquecível para um baianinho curioso.

Hoje tenho certeza que vi, na década de 50, o show de uma francesa de elevado nível, que disse em tom elevado e sotaque cheio de erres o seguinte:

—“Mon Dieu! Mon Dieu! Você não sabe o que diz, minha menina. Você talvez nunca saiba o que é uma guerra. Nunca! Nunca! Nunca! A guerrrrrra é pior do que o inferrrrno. Você não merrrrece isso. Aqui vocês vivem no paraíso e não valorrrizam. Deus nos perdoe!”

De repente, silêncio total. Saiu uma. Saiu outra.

Ficou minha mãe calada em frente à balconista, que também deve ter guardado a história para o resto da vida.

Todas duas viviam em Salvador, ainda traumatizadas com a Segunda Guerra Mundial, que havia acabado alguns anos antes, com efeitos relativamente suaves no Brasil.

 

MORAL DA HISTÓRIA: A gente levou algum tempo aqui no Brasil falando igual à baianinha blasfemadora. Quanta besteira todo dia!

Mas a guerra pedida chegou.

Rezo a Deus para que não seja pior do que o inferno (sinceramente, acho que a gente não merece castigo tão duro).

RENATO RIELLA

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