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jan 25 2017

AMNESIA E HIPOCRISIA: VIDA O POVO BRASILEIRO

AYLÊ-SALASSIÊ F. QUINTÃO

As tentativas de  quase canonizar o ex-ministro  Teori Zavascki revelam um pouco de comoção e muito oportunismo, cuja maior contribuição pode ser desqualificar os esforços do juiz Sergio Moro, dos procuradores e dos agentes federais envolvidos no temerário e patriótico esforço para desenraizar  a corrupção endêmica no Brasil.

Difícil dizer se Teori comungava na mesma cartilha. Suas virtudes, destacadas pelo ex-ministro Pertence, também do Supremo Tribunal Federal, eram o “saber jurídico” e a capacidade de, como juiz,  manter a  “seriedade”, mesmo diante de um momento de radicalização e ódio na política brasileira. É o que se espera de um juiz.

Teori tinha plena noção da sua responsabilidade, enquanto ministro do STF.  Por isso torna complicado enxergar nele com clareza méritos heroicos.

Segundo Silveira Bueno, “Herói,s.m. Homem extraordinário pelas suas proezas guerreiras[…], pelo seu valor ou magnanimidade que pratica atos de arrojo, temeridade, e que caracteriza por sublimidade de sentimentos e de atos”.

Complementarmente, Plekanov, leitura recomendada por Lênin, ponderava que  “cada sociedade é caracterizada por certas relações entre os homens, que não dependem de sua vontade e que são determinadas pelo estado  das forças produtivas”.

Onde está Joaquim Barbosa, cheio de indignação com o “mensalão”? Barbosa sabia de tudo. Preferiu se aposentar.

Teori, lançado dentro do processo pelas circunstâncias, desfrutava, no mínimo, dos holofotes. Já o trabalho investigativo de Moro, dos procuradores e da Polícia Federal este, sim, extrapola a simples obrigação de decidir.

Sob risco constante, Moro parece fazê-lo com o sentido mesmo de abalar as estruturas viciadas históricas da sociedade brasileira, que sempre desequilibraram as relações sociais e jurídicas.

Curioso é que foi o próprio juiz Sérgio Moro que, por humildade ou escorregão no vernáculo, atribuiu a Zavascki a condição de herói.

Na história do Brasil, contam-se nos dedos aqueles que poderiam ser beatificados  por condutas épicas em batalhas campais, seja em guerra ou mesmo na luta contra a fome e a miséria.

Natalhiê Ferreira observa que a falsidade do mundo moderno coloca  os primitivos nas ruas, e mantém os adeptos da modernidade debaixo de um teto  , acobertados por vantagens nem sempre justas, se comparadas até mesmo com os pares, contudo e certamente longe do povo miserável.

Teori cumpriu a seu modo   os ditames da lei que, por sua vez, requer grandes revisões para ostentar a bandeira da justiça social e  dar suporte à democracia brasileira.

Por isso, num momento de comoção, não dá para comungar inteiramente com a opinião de um amigo advogado militante, de Belo Horizonte, sobre o papel desempenhado por Teori Zavascki no STF.

Mas, penso próximo quando ele lembra a memória curta dos brasileiros: “Logicamente que a prematura morte de Teori foi uma perda para seus filhos, família, amigos, companheiros de STF e de ideologia”.

Diante de um fato dramático, o cidadão precisa de maturidade para distinguir a perda humana de uma perda institucional.

Para ele, Teori Zavascki não passará para a história como um herói ou como aquele que tentou moralizar a República, por meio de seu ofício. Era um homem alinhado: ia falando nos autos.

Não poupou esforços para dar uma interpretação benevolente aos réus que partilhavam da sua orientação político-ideológica.  Pontua: “Basta lembrar dos famosos “Embargos Infringentes“, na ação penal do Mensalão.

Lá estava ele, firme e forte, revelando-se na interpretação. Lembram da ação para garantir a quase impunidade para José Dirceu e Delúbio Soares? Lá estava ele a postos para reinterpretar o comportamento dos dois e apressar suas saídas do xilindró.

Lembram do caso do áudio escandaloso envolvendo os ex-presidentes Lula e Dilma Roussef? Ele foi uma voz destoante para censurar a conduta irrepreensível do juiz Moro e a sua atuação profissional, protegendo-os da justiça. E do processo que poderia ter culminado com a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva?

Ele fez questão de abortá-lo, e garantir que o acusado respondesse pelos crimes em completa liberdade, apesar das inúmeras e graves acusações existentes e que autorizariam uma eventual prisão preventiva”.

Por justiça, diz, ele teve acertos também. Deu votos importantes e relevantes, “mas longe de ser um expoente impar da nossa magistratura”. Continua, “Foi um juiz que abraçou a causa política”. Fez questão de ser discreto, “mas não o suficiente para esconder as tendências ideológicas, que muitas vezes se viram refletidas em suas decisões”.

Conclui que a população, inspirada no instinto novelesco da mídia, está sendo tomada pela amnésia e assistindo a muita hipocrisia neste momento, ao tentar fazer do ex-ministro um herói da República, um magistrado perfeito e que apenas atendia aos interesses da Justiça,” quando pareciam nítidas suas preferências partidárias,  e ter se deixado influenciar por elas.

Arremata: “Respeito a dor de seus entes queridos, mas não compactuo com a comoção histérica da morte de um herói inexistente. Tribunais não são locais indicados para a política”

Jornalista, historiador doutor em História Cultural

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