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fev 19 2020

Após decisão do STF, em dois anos, 3,5 mil mulheres grávidas ou com filhos pequenos deixam prisão

Em dois anos, 3.527 mulheres conseguiram ser beneficiadas pela decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que permitiu a substituição da prisão preventiva para domiciliar de presas grávidas ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência.

É o que revela um levantamento feito pelo G1 com base em dados fornecidos por 16 estados e pelo Distrito Federal. Os outros 10 não têm nenhuma ideia do número de presas que obtiveram o benefício.

O portal fez quatro pedidos de informação para cada estado: dois para o governo (um via assessoria de imprensa e um via Lei de Acesso à Informação) e dois para o Judiciário (um para a assessoria e outro via LAI).

Na época em que a decisão foi tomada pelo STF, em fevereiro de 2018, um levantamento do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), do Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC) e da Pastoral Carcerária Nacional fez uma estimativa de que a medida podia beneficiar ao menos 4,5 mil detentas, cerca de 10% da população carcerária feminina.

Um levantamento feito agora aponta que, atualmente, o Brasil tem mais de 31 mil mulheres presas, o que representa 4,4% da população carcerária do país.

Sobre a falta de controle em relação ao número de mulheres beneficiadas, o defensor público Glauco Mazetto Tavares Moreira, que atua no estado de São Paulo, explica que há uma falha nos dados no serviço público.

“Isso me dá a impressão de que é um problema mais estrutural do que ideológico. Minha impressão é que a gestão de dados no setor público é difícil. É difícil estruturar e colher esses dados de uma forma científica. Já existe esse problema em geral, e no caso das mulheres é mesma coisa”, afirma o defensor Glauco Moreira.

Para Thandara Santos, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a falta de dados consistentes e individualizados sobre as pessoas privadas de liberdade no Brasil se constitui como fonte de violação de direitos. “Para que possamos identificar quem são todas as mulheres gestantes hoje encarceradas no Brasil que tiveram prisão preventiva decretada e que poderiam ter essa prisão convertida em prisão domiciliar, como prevê a decisão proferida no HC, é preciso que existam dados, a nível nacional, organizados e públicos, sobre os processos de execução penal dessas mulheres. Tais dados devem ser associados a informações completas e confiáveis sobre seus perfis demográficos.”

De acordo com o defensor Glauco Moreira, a quantidade de prisões substituídas nos tribunais estaduais ainda é pequena. Para ele, isso acontece porque ainda há uma cultura que faz parte do Judiciário de resistir a conceder a prisão domiciliar para mulheres que podem substituir a pena. Moreira diz que essa resistência vem especialmente nos casos dos crimes ligados ao tráfico de drogas.

“Eles [Judiciário] acabam usando muitas vezes a gravidade abstrata do crime como argumento. Então, por exemplo, o tráfico de drogas, que é o maior crime cometido por essas mulheres, é um crime equiparado a um hediondo, gravíssimo, que traz consequências para sociedade. Essa é uma argumentação muito recorrente.”

Ainda segundo o defensor, outra argumentação recorrente é quando a droga é encontrada dentro da casa da mulher.

“Me parece que são os dois principais argumentos: a gravidade abstrata do crime e o fato de o crime ser cometido dentro de casa. Esses argumentos de indeferimentos não conversam com o que a norma diz”, diz o defensor Glauco Moreira.

Os motivos para negar os pedidos são vários. A própria decisão do STF determina que não podem deixar a prisão mulheres já condenadas e que cumprem pena, bem como aquelas que, mesmo sem condenação, são suspeitas de crimes praticados com violência ou grave ameaça, contra os próprios filhos ou em situações “excepcionalíssimas”, a serem justificadas pelo magistrado que negar o benefício.

O tribunal também costuma analisar a situação familiar das presas. Em um caso negado no estado, por exemplo, a Justiça cita que a mãe presa não convivia nem cuidava da criança quando estava solta. Em outro caso, havia indícios de que a mulher cometia crimes em casa. Por isso, o tribunal considerou que a concessão da prisão domiciliar para que a solicitante exercesse o papel materno ia ser prejudicial à criança.

O estado de São Paulo, que concentra a maior parte das presas do país (43%), tem também uma alta taxa de pedidos de prisão domiciliar negados, como bem lembrou o defensor Glauco Moreira: 60,4%.

Segundo dados da Defensoria Pública do estado sobre os atendimentos feitos pelo órgão em 2019, 57% das mães eram negras. Além disso, 56% disseram que os avós são os responsáveis pelos filhos. Os pais cuidam das crianças em apenas 17,5% dos casos.

O panorama apresentado pelo levantamento do G1, porém, é parcial, já que muitos estados do país não têm os dados ou apenas têm parte dos dados. Foram solicitadas as seguintes informações: quantos pedidos foram feitos com base na decisão do STF desde 2018 e quantos deles foram deferidos e indeferidos.

Diversos tribunais do país afirmaram que os sistemas eletrônicos utilizados para cadastrar os processos não tinham parâmetros para fazer as buscas dos casos dos habeas corpus que se enquadram nas determinações do STF. Já diversas secretarias de Administração Penitenciária afirmaram que apenas têm controle das presas que são soltas para cumprir a prisão domiciliar (e não dos casos em que as saídas foram negadas).

O levantamento demonstrou a dificuldade que governos e tribunais têm para fazer o acompanhamento de decisões judiciais e de políticas públicas no país.

No Distrito Federal, a Secretaria de Segurança Pública disse que, “de acordo com levantamento feito pela Sesipe, 89 internas estão sob as condições impostas pelo habeas corpus coletivo concedido pelo Supremo Tribunal Federal, o qual garante a mulheres presas grávidas e as que possuem filhos com até a idade de 12 anos e/ou aquelas que possuem filhos com deficiências a usufruírem da substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar”.

Já o TJ disse que não tem os dados consolidados. “Durante o ano de 2019, seguindo resolução do CNJ, a Vara de Execuções Penais do DF concentrou seus esforços na transição para ao Sistema Eletrônico de Execução Unificado, cuja proposta é se consolidar não só como um sistema de tramitação processual, mas como um sistema de inteligência e gestão de dados. Como ainda estamos em fase de finalização da implantação, funcionalidades de controle e estatísticas não estão totalmente consolidadas”, disse.

O órgão informou que havia 82 processos em análise ou analisados de mulheres solicitando a conversão para cuidar de filhos, de familiares ou da própria saúde, mas que não tinha o número de quantos tinham sido deferidos de cada grupo e que também não sabia dizer quantos foram feitos por grávidas ou mães de crianças até 12 anos.

Com informações de G1

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