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jun 22 2018

ARTIGO: A falta que o governo faz

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, jornalista. 

Aprendi no curso de direito que juiz julga e decide. Não negocia. Analisa, estuda os autos e prolata a sentença. Bate o martelo. Fala por último. É por essa razão que, em outros tempos, juízes não davam entrevistas, nem se manifestavam sobre casos concretos.

Mesmo durante as aulas, quando algum aluno esperto fazia pergunta muito específica, o mestre se desviava da armadilha. Respondia de maneira genérica. Jamais antecipava ou anunciava sua opinião sobre questão objetiva.

Os tempos mudaram.

Com todo respeito, Suas Excelências, ministros do mais alto plenário do sistema jurídico brasileiro, estão se fartando de dar entrevistas sobre os mais variados assuntos.

Só não assisti até agora um bom debate entre eles sobre os jogos da Copa do Mundo. Todo o resto já passou pela argumentação dos juristas, que, aliás, são mais conhecidos pelo público do que os jogadores da seleção brasileira de futebol.

O auge ocorreu quando ministro reuniu em torno de si representantes do Poder Executivo e de empresas de transportes com objetivo de fixar o preço mínimo dos fretes. É a tabela.

Quem negocia é político. Deputados e senadores recebem seus polpudos salários para desatar os problemas nacionais. Cabe ao Judiciário decidir sobre a solução dos problemas. Esse é o papel do Judiciário.

No entanto, no Brasil, com o governo federal em franco declínio, enrolado em problemas menores, e os parlamentares com olhos postos nas eleições de outubro próximo, os principais nomes do Judiciário tornaram-se os verdadeiros gestores do país. É difícil imaginar um ministro da Suprema Corte dos Estados Unidos na mesma situação.

No regime capitalista não há consenso. Há concorrência. Ganha quem oferecer o preço mais baixo. Até segunda ordem, o sistema ainda não foi revogado no Brasil. Os caminhoneiros querem ganhar mais, o que é justo. Mas aumento do custo do frete significará elevação de preços nos supermercados. E uma série de aumentos na cadeia do comércio.

O que vale a pena notar é a falta que um governo faz. Na ausência dele coisas espantosas começam a acontecer com inquietante regularidade. E aparentemente ninguém reclama, protesta ou ao menos percebe. É o caso desta tentativa de criar uma tabela para preço do frete.

Mussolini disse uma vez que tentar governar a Itália não era difícil, era inútil. Hoje é possível utilizar o mesmo raciocínio para dizer que criticar o governo Temer não é difícil é, apenas, inútil. O governo Temer acabou. Perdeu sua base parlamentar, está a seis meses do final do mandato e só permanece vivo por causa da rigidez do sistema presidencialista. Há um mandato com datas fixas.

Se o Brasil fosse um país parlamentarista a crise já estaria resolvida e um novo centro de poder devidamente instalado no Palácio do Planalto. E a liderança do Partido dos Trabalhadores não poderia dizer que houve um golpe. No parlamentarismo líderes sobem e descem regularmente. Os ingleses deram o melhor exemplo.

No final da Segunda Guerra Mundial, a oposição no parlamento convocou eleições gerais. Churchill, o grande líder que venceu o fascismo, foi candidato e perdeu. Deixou o cargo de primeiro ministro. Não ocorreu nenhuma crise.

O país está paralisado por causa da Copa do Mundo. É um escapismo evidente. Ninguém está com vontade de discutir política diante da enormidade dos problemas nacionais e da indigência dos candidatos que apareceram até agora. É um alívio temporário.

Cedo ou tarde o brasileiro terá que encarar sua realidade. Tudo isso resulta da omissão do governo federal, que se omite porque não possui objetivos, metas ou resultados. Prefere atribuir decisões complexas ao Supremo Tribunal Federal. Sinal de que não mais dispõe das condições mínimas para governar. Acabou. Só o calendário o mantem vivo.

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