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dez 23 2014

ARTIGO: É O IMPÉRIO, ESTÚPIDO!

 CARLOS FINO

O reatar das relações diplomáticas entre os EUA e Cuba, anunciado a semana passada por Barack Obama e Raul Castro, põe termo a uma situação anacrônica, que nada mais justificava pelo menos desde a queda do muro de Berlim, em 1989, e o consequente colapso da URSS, dois anos depois.

A partir daí, deixou de ter qualquer sustentação a tese tantas vezes invocada para legitimar o embargo, a saber – o “perigo” que o regime castrista representaria como posto avançado do comunismo às portas da América.

Muito antes disso, praticamente desde o início do regime bolchevique na Rússia, já se percebera aliás que a ideia comunista de ultrapassar o mercado era uma utopia que não funcionava.

O próprio Lénine, logo nos anos 20 do século passado, teve que pôr em prática uma Nova Política Econômica – NEP, nas iniciais russas – que dava mais liberdade de ação aos empresários individuais como forma de garantir maior desenvolvimento econômico.

Que o regime cubano ensaie timidamente algo de parecido um século depois é no mínimo patético e bem revelador do impasse a que Havana chegou.

O castrismo, passada a sua fase heróica, só se sustentou, primeiro, com o apoio da URSS, durante toda a Guerra Fria, e mais tarde, com a ajuda da Venezuela de Chavez.

Mas também, e paradoxalmente, graças em boa parte ao bloqueio dos EUA, que deram a Fidel um bom pretexto para justificar perante a população, recorrendo ao patriotismo face à ameaça externa, as persistentes dificuldades econômicas e falta de liberdade.

Os europeus há muito que compreenderam isso, tendo posto em prática uma política de envolvimento econômico, político e diplomático com Cuba.

Nos EUA, a força do lóbi cubano centrado em Miami impediu durante décadas evolução semelhante.

Agora, ao que parece, com a mudança de gerações, esse lóbi perdeu força, abrindo finalmente a possibilidade de uma viragem que os democratas – com os olhos postos nos votos da comunidade hispânica nas próximas eleições presidenciais – querem aproveitar.

Daí, a iniciativa de Obama, que encontrou do outro lado uma Cuba há muito ciente dos impasses do regime econômico instaurado na ilha e debilitada, em termos de perspectivas de ajuda, pelas incertezas que rondam a Venezuela, seu último grande apoio externo.

Estão assim finalmente reunidas condições para que se normalizem as relações bilaterais.

Ainda será preciso vencer as resistências dos republicanos, herdeiros diretos – ainda que não únicos – de uma tradição imperial que remonta à fundação dos EUA, em que Cuba era vista como predestinada para ser englobada no território norte-americano.

Quincy Adams (sexto presidente dos EUA – 1825/1829) chegou a escrever que “Cuba, uma vez separada da Espanha e  incapaz de se auto-sustentar, só pode gravitar no sentido da União Norte-Americana, a qual, por força da mesma lei da natureza, não poderá deixar de acolhê-la no seu seio.”

Este é o ponto em que a porca torce o rabo. Ao aceitarem regularizar as relações com Cuba, os EUA fazem-no de boa fé, dispostos a acatar os princípios da igualdade entre os estados, respeito pelos legítimos interesses recíprocos e pela soberania e não interferência nos assuntos internos, ou para melhor conseguirem operar a mudança de regime em Havana que não alcançaram com mais de meio século de bloqueio?

O comunismo desapareceu e com ele a luta ideológica da Guerra Fria. Mas Washington continua a defender o universalismo das ideias liberais, pretendendo impor urbi et orbi o triunfo dos mercados e da democracia, só aceitando conviver com quem não os aceite integralmente, se de uma forma ou de outra, servir os interesses da potência hegemônica.

Partilhar hegemonia, reconhecer a diversidade de regimes e considerar os interesses de outros centros de poder continua a ser uma posição com que os EUA só relutantemente se conformam.

Cedendo em aceitar o mercado, uma vez que o comunismo falhou,  Cuba, como a China, a Rússia e outros, tentará ao mesmo tempo preservar o mais que puder o regime. E aí, poderão eclodir novos confrontos com Washington.

Mas é melhor um jogo aberto, com um mínimo de regras de civilização, disputando interesses e hegemonias, do qual possam resultar, com cedências mútuas, ganhos de liberdade e bem-estar, do que o fecho num bloqueio fechado, sem perspectivas nem futuro. (Do site Portugal Digital)

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