LUIS TURIBA
Semanas atrás, uma passeata de jovens indignados foi dissolvida a bombas, porrada e tiros, transformando a Maré, no Rio, numa espécie de Soweto do século XXI
Jovem, negromestiço e morador de uma quebrada qualquer em uma grande cidade brasileira. Esta condição já é quase um atestado de culpa ou um passaporte para a desexistência. Pouco importa se trabalha ou estuda. Nossa juventude corre risco.
No meio caminho não há somente pedras ou esgoto a céu aberto. Assim, do nada, você pode ser alvejado na puxada do gatilho e no estampido do cão. Fiquem espertos. Ou, na melhor das hipóteses, ser algemado e enjaulado como cachorro louco num desses camburões que lembram navios negreiros da pós-modernidade. Aí, é trauma para sempre ou um X a mais nas estatísticas.
Tá difícil, mano; reconheço.
Nos últimos tempos, tem acontecido quase que diariamente como uma chuva de balas perdidas. Os confrontos se multiplicam, especialmente nas áreas de chapa quente.
Em alguns casos, o assunto chega à televisão, ao noticiário, como recentemente, quando soldados foram presos por fuzilar um jovem na Palmeira e o comandante do batalhão exonerado por tentar confundir o malfeito com o direito.
Semanas atrás, uma passeata de jovens indignados foi dissolvida a bombas, porrada e tiros, transformando a Maré numa espécie de Soweto do século XXI. É muita ONG para pouca onda. Dois corpos ficaram no chão.
Esse estado de barbárie (falamos do Estado Islâmico, mas tantas vezes ele está em nosso próprio quintal) traz dor, medo e pavor para dentro dos nossos lares.
É um Rio de Janeiro nada glamouroso, especialmente quando uma mãe aguarda a chegada do seu filho que, como milhares de outros jovens de 20 anos, foi à praia com a galera e terminou sendo levado aos bofetões para uma delegacia no Leblon, acusado de um roubo do qual não faz a menor ideia.
E, o mais grave: da rua até a DP, ficou sem o celular, o anel e o cordão do pescoço. No fim, o delegado mandou soltar, pois nem passagem ele tinha: mas e daí? Dentro da lógica do absurdo, talvez tenha tido até sorte.
“Rio de ladeiras, civilizações, encruzilhadas/ cada ribanceira é uma nação”.
Esse verso de Chico Buarque revela a nova geografia carioca que não está nos cartões-postais. É nesse ambiente que o extermínio planta suas raízes. O assunto está na ordem do dia da segurança pública do Rio e de outras grandes cidades, como Salvador.
Como escreveu Marcus Faustini em recente crônica: “A naturalização da morte de jovens de origem popular no Rio precisa ter fim, antes que morra a força pela mudança de quem fica.”
Ainda é possível não exterminar a esperança.
Luis Turiba é poeta