LUIZ GUTEMBERG (para o WWW.gutemblog.com)
Este é um registro pouco comum: um sobrevivente escreve sobre a morte de quem o salvou. Pois é esta a situação: acaba de morrer em Brasília, aos 80 anos, o médico Aloisio Campos da Paz Junior, criador da Rede Sarah de Hospitais do Aparelho Locomotor, o mais importante centro de referência do país em ortopedia.
Devo a ele a minha vida, depois de um desastre de automóvel em Brasília.
Em dezembro de 1984 , trinta horas depois de ser retirado com vida (e fraturas no braço esquerdo e perna direita, passiveis de tratamentos convencionais) , Aloísio e sua equipe verificaram que um processo hemorrágico interno de difícil localização me condenava e, com intervenção cirúrgica e imediata, me salvaram.
A maioria de acidentados na minha situação morre por falta do diagnóstico oportuno que me beneficiou.
Aloísio havia sido treinado na Inglaterra com um cirurgião espanhol que, tendo chefiado um hospital de sangue republicano durante a Guerra Civil, os ingleses resgataram das garras de Franco, durante a Segunda Guerra Mundial, para revolucionar a reabilitação de seus combatentes feridos.
Com o fim do conflito, Londres tornou-se centro mundial de aplicação das técnicas desenvolvidas na guerra.
Voltando ao Brasil, e trazendo esa experiência, Aloísio engajou-se na Fundação das Pioneiras Sociais, criads por Dona Sarah Kubistchek, e transformou-os num centro de reabilitação.
Mais tarde, conseguiu transformá-lo numa até então inédita organização civil (seus servidores, inclusive médicos, não são funcionários públicos, mas sujeitos às leis trabalhistas com contratos de dedicação exclusiva), 100% financiada pelo governo e sob rigoroso controle do TCU e índices de produtividade (relação custo benefício) que nenhum hospital público nacional atinge e com atendimento ao público 100% gratuito.
Respeitado por sua competência como médico, administrador inventivo e duro, hábil politicamente (conseguiu tudo dos governos militares e o apoio e proteção dos governos FHC, Lula e Dilma), Aloisio organizou sua sucessão ( escolheu e treinou a nova diretora, Lúcia Braga, mundialmente respeitada na área de neurociências) e garantiu a continuidade da instituição tal qual seu projeto.
Polêmico – pois enfrentou com sua obstinação corporações poderosas – mas respeitado por sua competência e honestidade, Aloisio Campos da Paz legou, com o Sarah, uma importante experiência de assistência médica publica mundialmente considerada.
