ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, jornalista
O poderoso comentarista de uma rede de televisão, ex-jogador, não hesitou: garantiu, formalmente, ao vivo, que o Brasil passaria sem problemas pelo time da Bélgica, mas poderia ter dificuldades diante do Uruguai. Dois equÃvocos pesados numa única frase.
O individuo não ficou sequer ruborizado pela enormidade do erro. Continuou comentando, falando, profetizando, sempre constrangido pela gramática, até os jogos finais.
Copa do Mundo é, portanto, um perigo. Dá voz e opinião a quem em condições normais não teria como se manifestar. O espectador fica refém da idiotia de alguns profissionais.
Esse é um mal menor. Não gera consequências maiores. É o doce ofÃcio de falar sobre futebol. Vale tudo. E ninguém reclama.
O problema é que a realização da Copa do Mundo provoca, no Brasil, uma espécie de hiato, um tempo aberto, livre e pouco vigiado. Uma espécie de férias coletivas, embora as instituições continuem a funcionar.
Os profetas do futebol erram muito, ou erram sempre. Nenhum deles chegou perto de apontar a possibilidade de a Croácia chegar às finais, apesar de a seleção estar colocada numa chave muito fraca. Ou seja, análise zero.
O problema está naquilo que a Copa do Mundo interfere diretamente. O juiz substituto de Curitiba imaginou que agindo junto com três deputados num domingo custaria a ser percebido. Uma espécie de crime perfeito.
Assinou duas vezes a ordem para libertar Lula. Telefonou para o delegado da PolÃcia Federal e exigiu que sua decisão fosse, imediatamente, acatada. Não deu. Outras autoridades perceberam a extensão da manobra a tornaram sem efeito, em tempo hábil.
A procuradora geral da República, Raquel Dodge, pediu abertura de investigações contra o apressado desembargador no Superior Tribunal de Justiça e no Conselho Nacional de Justiça.
Chicana jurÃdica de péssima qualidade.
A ideia foi aproveitar o momento em que o paÃs estava hipnotizado pelo futebol para conseguir praticar uma jogada malandra e livrar o ex-presidente da República da cadeia.
Os profetas da economia também passearam pelo cenário polÃtico. É muito gostoso falar, mover maxilares sem qualquer responsabilidade.
Até recentemente, as previsões para a economia brasileira eram de que o Brasil deveria crescer até 3%. De repente, a ficha caiu. De um mês para o outro, as previsões de crescimento do produto interno bruto caÃram daquele número mágico para algo em torno de 1,5%. Ou seja, a metade.
As previsões de péssima qualidade são semelhantes às do arrogante comentarista de futebol.
No terreno das malandragens, os polÃticos aproveitaram os jogos da Rússia para votar medidas populistas e eleitoreiras nas vésperas das eleições. A maioria delas não poderá ser cumprida, porque o dinheiro acabou.
Os governos petistas provocaram profunda recessão. É cenário assustador. Mas deputados e senadores não percebem a fotografia nem com lentes de aumento. Eles aprovam o que é popular na busca de votos dos incautos. Interesses pessoais se sobrepõem ao do coletivo.
O cenário eleitoral é a melhor tradução do que está ocorrendo no Brasil. Até agora, com exceção de Bolsonaro, não há candidaturas definidas. Em nenhuma das que estão nas ruas foi decidido o nome do candidato a vice-presidente, nem a definição dos apoios estaduais. Uma bagunça.
As chapas precisam ser registradas na justiça eleitoral até o dia 7 de agosto. Ou seja, daqui a quatro semanas.
Completa a sequência de medidas estapafúrdias a reunião do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, com 250 pastores de sua Igreja. Ele indicou os caminhos para que os correligionários obtenham ganhos para sua seita.
As férias coletivas proporcionadas pela Copa do mundo abrem espaço para que as feras mostrem seus dentes, os idiotas apareçam e os ladrões de ocasião entrem em campo.