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set 13 2019

ARTIGO: Quem domina a Amazônia

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF

Os incêndios que lavram na Amazônia despertaram enorme curiosidade sobre como manter a enorme área de floresta tropical existente no norte do Brasil.

Europeus e americanos de diversos pontos dão palpites, insinuam alguma interferência e colocam os militares nacionais em pé de guerra. É uma discussão sem vencedores porque cada um defende sua posição a partir de um ponto de vista específico.

Missões religiosas pretendem catequizar índios, fazê-los caminhar sob o guarda-chuva da igreja e ensiná-los a falar e ler algum idioma, que pode ser francês, inglês, alemão ou mesmo português.

A Amazônia não fazia parte do território brasileiro até a Independência do Brasil. A área era ligada diretamente a Lisboa. Não é por acaso que a maioria das cidades no trecho entre Belém e Manaus tem nomes de cidades portuguesas.

Foi um espanhol que desceu o rio Amazonas pela primeira vez, Orellana. E depois um português subiu o rio, numa façanha incrível, saiu de Belém e chegou a Quito, no Equador. Os dirigentes espanhóis, na época, o recepcionaram dignamente, mas o convidaram a retornar pelo mesmo caminho. Não queriam saber de portugueses no Oceano Pacífico.

Pedro Teixeira arrumou suas malas e retornou. Parou no meio do caminho, depois de descer os Andes, e decretou que aquela área na planície amazônica pertencia ao Império português. Ninguém contestou e assim ficou.

A Independência do Brasil foi um problema para o pessoal de Belém que preferia permanecer ligado a Lisboa.

Portugal era um Império razoavelmente organizado e muito mais tradicional que o da colônia. Mas os mercenários utilizados pelo inglês Almirante Cochrane ameaçaram bombardear a cidade. O pessoal recuou e aderiu à Independência do Brasil.

Isso ocorreu em agosto de 1823. Portanto, o Sete de Setembro não tem muito significado no Norte do Brasil. A partir daí a Amazônia foi literalmente esquecida.

Os governos brasileiros não davam a menor bola para a floresta verde. Somente o Marechal Rondon andou por Mato Grosso instalando os postes da linha telegráfica, no início do século passado. A rodovia BR 364 caminha exatamente pela rota que o militar traçou.

O governo brasileiro só começou a olhar com atenção para a região depois da Primeira Guerra Mundial. A borracha emergiu como um produto capaz de gerar emprego e muito dinheiro.

Manaus já tinha emergido como a capital produtora do látex. E conheceu o período de grande prosperidade, no final do século 19. É dessa fase a construção do magnífico Teatro Amazonas. Sua construção terminou em 1896 ao custo de US$ 2 milhões a preços da época.

Manaus foi a segunda cidade brasileira a ser iluminada por eletricidade. Mas um patife conhecido, a serviço dos ingleses, chamado Henry Wickham, se estabeleceu em Santarém.

Ele reuniu, em 1876, 70 mil sementes de seringueira numa área ao longo do rio Tapajós e as entregou ao Real Jardim Botânico de Londres, que depois as transferiu para a Ásia. Foi o fim do período áureo da borracha na Amazônia.

A Rainha Vitória nomeou Wickham cavalheiro do Império. E a Amazônia iniciou sua queda em direção à estagnação econômica.

Nos Estados Unidos, Henry Ford havia iniciado a produção em série de seu Ford modelo T. Foi um sucesso de vendas por ser um veículo simples, barato, construído por funcionários que recebiam bons salários. Tão bons que eles eram os principais compradores do bem que ajudavam a construir.

Mas automóvel precisa de pneu. E Henry Ford imaginou criar na Amazônia um centro produtor de borracha. Conseguiu do governo do Pará uma área de um milhão de hectares na região do alto Tapajós.

E ali, com incrível audácia, no meio da selva amazônica criou uma cidade organizada, com ruas largas, praças, hospital, restaurante, água encanada e banheiros. Tudo muito organizado. Isso na segunda década do século passado: a Fordlândia.

A história é longa e não cabe aqui. Seus técnicos começaram provocando grandes incêndios para limpar o terreno. Venderam a madeira e plantaram mudas de seringueira. Não deu certo por várias razões. Existe um fungo que se reproduz no ambiente amazônico. Não ocorre nas terras da Malásia.

A seringueira domesticada é difícil de ser cultivada na Amazônia. Depois Ford conseguiu outra gleba em Belterra, nas proximidades de Santarém. Também não funcionou. Seu herdeiro, Henry Ford II, vendeu as glebas, com as benfeitorias, ao governo brasileiro em 1945.

Ironia é que as plantações de soja avançaram por todo o Centro-Oeste brasileiro pelos caminhos de Rondon. Depois variaram para a região do Tapajós, onde se produz soja de alta qualidade vendida para os principais mercados do mundo.

As grandes multinacionais que atendem os principais mercados pressionaram o governo brasileiro para asfaltar a BR 163, a Cuiabá-Santarém, para escoar a produção pelo Rio Amazonas.

A estrada passa perto de Belterra, que nunca enviou para a Ford grandes quantidades de látex. Mas em pouco tempo estará exportando soja para a Ford Motor Company, que desenvolveu plástico de qualidade industrial feito a partir da planta.

A história é incrível. Quem se interessar pelo assunto deve começar pelo livro chamado Fordlândia, ascensão e queda da cidade esquecida de Henry Ford na selva, Greg Gandin, editora Rocco.

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