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jan 21 2015

ARTIGO: TAMBÉM NÃO SOU CHARLIE

MÁRCIO METZKER

Depois de 15 dias de praia, liguei a TV, inteirei-me do que se passa nesse mundão, fiquei entupido, tomei um laxante mental que resultou nessa manifestação sobre algumas polêmicas do noticiário, como a execução de brasileiros na Indonésia, arrastões nas praias cariocas e a crise do Charlie Hebdo.

Nunca tinha ouvido falar desse pasquim. Só conhecia o Wolinsky, com suas tirinhas sempre taradas e escandalosas. Meu contato com o humor francês décadas atrás era com o Éco des Savannes, que tinha qualidade e inteligência.

Achei as charges do Charlie algumas grosseiras e outras imbecis. Mas ninguém merece ser baleado por ser espírito de porco. Ou seja, não dá pra defender o trabalho dos caras, e muito menos para justificar os que lavaram a honra de Maomé. Defendo sempre a liberdade de expressão. Você desenha e publica o que quiser e as pessoas compram se quiserem.

O problema de quem zomba da religião dos outros é ter que enfrentar retaliações nem sempre civilizadas. Os fundamentalistas vão lá, matam os caras e depois são caçados pela Polícia francesa. Ação e reação. Fim de papo.

Quando o Estado Islâmico degola pessoas ou coloca crianças para executá-las, não explica o que fizeram para merecer isso. Sinto-me diminuído quando alguém é morto, porque faço parte da mesma humanidade, mas não fico amedrontado. Considero isso um blefe de coragem, um lance de mídia, um ato de desafio como os ratos fazem quando encurralados pelos gatos.

Quando vejo um vídeo desses, e ouço as promessas de retaliação de Obama e Putin, apuro os ouvidos para perceber ao fundo, em background, o ruído obsceno dos  capitães da indústria armamentista antegozando os lucros.

Ouvi e li muito blá-blá-blá sobre o preconceito contra a religião muçulmana, sobre a cidadania secundária a que estão condenados os 6,2 milhões de islamitas que moram na França, e a advertência de que não podemos presumir que todo mundo que se esconde no gothra e no turbante é um terrorista potencial.

Mas todo pobre é cidadão secundário em qualquer país, independentemente da religião. Lá são os muçulmanos. Aqui os evangélicos. Por prudência, se eu estiver na França, vou evitar pegar um ônibus em companhia de gente com esse ameaçador figurino. O hábito nem sempre faz o monge. Mas é melhor evitar, e quem me criticar por preconceituoso que vá abraçar um homem-bomba.

Vamos combinar o seguinte: se pertenço a uma religião intolerante, nasci em um país onde os aiatolás ou talibãs ditam as leis, a moral e os costumes, humilham e apedrejam as mulheres, e acho que isso é que está certo, por quê vou morar na Europa?

Se eu for visitar o Catar na Copa de 2022, vou sugerir a minha mulher que deixe o bustiê e a bermudinha no Brasil e vista roupas sem decotes, para não desrespeitar os costumes locais.

Da mesma forma, espero que as talibânicas não insistam em desfilar de burka nos nossos shoppings, já que a legislação brasileira exige que as pessoas andem com o rosto descoberto. Vi algumas assim num hotel em Los Angeles, há poucos meses. Caladas, deslizando como sombras, enfiavam a mão debaixo do véu para comer uma torrada. Suavam abundantemente e pareciam sofrer. No elevador, notei que fediam.

Da mesma forma, quem for surfar ou voar de asa-delta em Cingapura ou na Indonésia não deve levar cocaína dentro das pranchas ou dos tubos da asa, porque isso dá pena de morte. Não adianta a Dilma espernear, mandar cartinhas e ameaçar com retaliações comerciais. Lei penal independe das relações comerciais.

Quando os colombianos entram no Brasil com um avião cheio de drogas também não gosto, mas por causa da evasão de divisas. Sempre achei que o consumo de drogas é escolha individual, e que os governos, enquanto não forem capazes de cumprir suas obrigações constitucionais coletivas, não devem se meter nas escolhas individuais.

Para mim, quem gosta de fumar um fino deve ficar à vontade, e os adeptos do canudinho podem dar seus tirinhos, mas o lucro da droga tem que ir para o Ministério da Saúde, e não para os traficantes corromperem a Polícia e a Justiça.

Para ter medo de gente suspeita, não preciso estar na França. Aqui mesmo vou ficar apreensivo se entrar num ônibus no Rio e tiver um bando de adolescentes rastafáris com tênis sem meia e óculos espelhados dentro, ouvindo funk. Podem ser pacíficos inconscientes do código agressivo de seu visual, mas o risco de arrastão é alto. Melhor descer e pegar um táxi.

Gostaria de refrescar a mente de vocês sobre a origem dos arrastões nas praias. Mangabeira Unger era guru do Brizola e depois do Ciro Gomes, e admitiu para mim, numa entrevista, que Leonel Brizola, ao perceber a impossibilidade de reduzir a disparidade econômica entre as classes sociais, decidiu favorecer o confronto: colocou linhas de ônibus direto da Zona Norte as praias da Zona Sul, pelo túnel Rebouças. Também estabeleceu linhas de Niterói até a praia de João Fernandes, em Búzios.

A ideia era que, do confronto, surgisse um novo pacto entre as classes. O discurso sobre direitos da criança e a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente tirou os meninos da favela da posição de coitadinhos e os tornou reivindicativos e com uma certa organização política meio caótica. O que aconteceu? Começaram a assaltar em grupos.

A classe alta barricou-se em condomínios fechados, passou a deslocar-se de helicóptero ou foi morar em Miami. Sobrou a classe média para tomar coronhada e ser ordenhada pelos moleques agressivos. Agora, Dona Hildegard, senta no rabo. Propor o fechamento das praias com arame farpado e cobrança de ingresso é mesmo pra levar pedrada.

Márcio Metzker, jornalista brasileiro, vive em Belo Horizonte, Minas Gerais – Do site Portugal Digital.

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