Fui caminhar/correr no Parque para me encontrar. É incrível! Nos primeiros quinze minutos, você está perdido. Que vida complicada, meu Deus! Quando será que as coisas darão certo? É tanta porrada que a gente tem de dar todo dia…
Mas, depois de uma hora de esforço no sol, o cara fica otimista, restabelecido. E com a fé renovada. Vira outra pessoa.
Decidi hoje andar pensando em pequenas coisas boas que fiz na vida. E dei risadas sozinho. Hahahah! O saldo é legal!
Lembrei do Manoel, um menino baiano estranhíssimo, que não sei onde anda.
Já contei que, há muitas décadas, dei aulas particulares em Salvador. Tirei muitos alunos da reprovação. Fui o rei da segunda época, hoje chamada de recuperação. E todos os meus alunos de emergência passaram sempre.
Eram alunos riquinhos. As mães procuravam minha mãe Cecília para abrir vaga na minha agenda, nos meses de novembro e dezembro. E eu trabalhava o dia todo, entrando pela noite, mesmo sem precisar (meu pai tinha grana) e com idade de 13 a 17 anos.
Um dia, minha tia santinha, a Tia Aurora da Pituba, me falou: “Você precisa ajudar o Manoel”. Era um menino estranho, desengonçado, filho de dona Célia, uma mulher pobre que ainda por cima tentava se curar de um câncer.
Assim, peguei a duríssima missão de não deixar o garoto perder o ano. E sem ganhar merda nenhuma, claro! Na cota da Aurorinha. Com aulas na copa da minha casa.
Manoel era horrível. A pessoa mais dispersiva do mundo. Em hora e meia de trabalho, usando toda didática de choque, inclusive a psicologia dos palavrões, ele interrompia minha explicação. Com olhos perdidos na parede, perguntava: “Você gosta mesmo de dar aulas?” Puta que pariu, Manoel, trate de se concentrar, merda!
Fui muito intransigente na juventude (hoje sou meio permissivo) e tinha vontade de enforcar o sacaninha.
Lembro que um dia preparei uma aula sobre frações. Usei a imagem das bolas de gude, pedaços de maçã, partes de melancia, etc. É hoje! Agora vai!
Expliquei, desenhei, me esguelei. Quando achei que estava abafando, Manoel manteve o olhar distante e me perguntou:
-“Por que o relógio (o relógio de parede da minha casa) só roda para a direita?” Botei ele de costas para o relógio…
Hoje, no Parque, ri durante algumas dezenas de metros lembrando que este incrível Manoel passou de ano. Foi o primeiro milagre da Tia Aurora, que rezava muito por ele (o segundo foi a cura da Dona Célia, de câncer, na década de 60).
Sinceramente, não sei o que aconteceu com o garoto das nuvens depois disso. Deve ter virado cientista.
No Parque, ri muito e concluí: acho que vou mesmo para o Céu.
Hoje nem vi se os banheiros do Parque da Cidade de Brasília ainda continuam quebrados, viu Rollemberg! (RENATO RIELLA)