«

»

maio 10 2014

COMPLEXO DE VIRA-LATAS NUNCA MAIS

RUDOLFO LAGO

O futebol é mesmo importante na formação do nosso caráter.

Por muito pouco, em 1958, não corremos o risco de reforçar os nossos preconceitos racistas e toda a nossa mania bocó de considerar menor tudo o que somos e fazemos, ao mesmo tempo que consagramos como excepcional e modelar tudo o que são e fazem os estrangeiros – especialmente os ocidentais, especialmente europeus e americanos.

Naquele momento, vigorava entre nós aquilo que Nelson Rodrigues batizou de “complexo de vira-latas”, que se resumia no seguinte: o nosso futebolzinho pode ser bom para as peladas entre o Flamengo e o Fluminense, mas nós nunca seríamos capazes de vencer uma competição internacional.

Era a soma dessa nossa mania de nos desprezarmos com o trauma da derrota em 1950.

Aí, na preparação para a Copa de 1958, a Seleção faz uma excursão para a Europa. Tem ali um desempenho razoável – ganha alguns jogos, empata outros, perde outros.

Na volta, a comissão técnica resolve preparar um relatório em que afirma que o nosso problema estava na falta de educação, de postura e de preparo psicológico dos nossos jogadores.

O relatório contava histórias como o caso de um jogador que entrou num chá de senhoras na Inglaterra vestindo apenas uma toalha enrolada na cintura.

Dizia também que os jogadores brasileiros não estavam preparados para torneios de primeiro mundo, que amarelavam nas situações decisivas e que principalmente os negros ficavam com saudades, com “banto” (o relatório usava esse termo!), prejudicando o desempenho.

Baseado nesse relatório, o time que estreou na Copa tinha um único jogador negro, Didi (isso porque Didi era um jogador excepcional e porque o seu reserva, Moacir, era negro também).

O Brasil venceu a Áustria e ficou só no empate em zero a zero contra a Inglaterra. Não estava indo muito bem.

Foi aí que se resolveu jogar fora o preconceito e o time mudou inteiro para o jogo decisivo da primeira fase, contra a União Soviética.

Entrou Garrincha. Entrou Pelé. Didi jogou o fino e foi considerado o melhor jogador da Copa. E o excepcional jogador negro Djalma Santos foi considerado o melhor lateral da Copa, jogando apenas um jogo, a final contra a Suécia.

O Brasil impôs o seu estilo de jogar futebol, mandou às favas as teorias de cultura e raças superiores europeias e sagrou-se campeão.

Não sou sociólogo nem antropólogo. Mas sou capaz de apostar que muito do imenso avanço que o Brasil teve naquele final de década de 1950 e início de década de 1960 deveu-se à eliminação desse “complexo de vira-latas” e à constatação, com as conquistas de 1958 e 1962, de que as coisas que formaram o nosso caráter e a nossa personalidade enquanto país não eram necessariamente atrasadas. Não eram necessariamente ruins.

De que podíamos enveredar pelo nosso próprio caminho, sem precisar importar modelos estrangeiros.

É por isso que torço pela Seleção na Copa. É por isso que acho essa participação tão importante.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode usar estas tags e atributos HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

*