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maio 10 2019

CONFESSO! COMO JORNALISTA, JÁ COMETI ERROS MONSTRUOSOS

Hoje, quase velho, dou graças a Deus por não ser médico. Em mais de 50 anos de trabalho, teria matado muitos pacientes.

Nas cagadas brabas que fiz como jornalista, tenho certeza que não executei ninguém. Mas vejam bem estas duas histórias, dramaticamente verdadeiras.

Final da década de 60. Comecei a trabalhar no jornal Diário de Notícias de Salvador, com 17 anos. Zero de experiência!
Executava tarefas mecânicas na redação. Uma dessas era passar a limpo o resultado da Loteria Federal, que saía em seção fixa na primeira página.

Um dia, ainda cedo, entrou no jornal um típico casal baiano. Homem e mulher mulatos, recheados de peso, classe bem média.

Falaram com o velho redator-chefe, Clementino, que antipatizava de graça comigo, por ter pai rico.

De repente, Clementino chegou perto da minha mesinha de redator iniciante, puxou duas cadeiras, instalou o casal de feições fechadas, e disse assim:

-Os senhores precisam falar com este rapaz. Ele é o responsável!
Pensei: “O que fiz? O que fiz?”

Meu Deus! Este pobre redator iniciante fez a monstruosidade de errar, na capa do jornal, o resultado do primeiro prêmio da Loteria Federal.

Tentem visualizar o drama. Digitei um algarismo errado – apenas um algarismo, suficiente para mudar o premiado.

O homem, quando me viu sentadinho na minha fragilidade quase de criança, magrinho, magrinho, de óculos, meio se desarmou.

Mas mulher, meus amigos e amigas, é bicho impiedoso. Ela queria me esquartejar com o alicate de unha!

O pai de família baiano, vermelho de raiva, disse que comprou o jornal de manhã. Começou a comemorar a fortuna na banca de revista. Milhões, milhões, milhões, milhões…Havia ganho o primeiro prêmio.

Estava na primeira página do Diário de Notícias, um jornal centenário dos Diários Associados, de alta respeitabilidade. Valia qualquer comemoração.

Chamou vizinhos, sogra e sogro, cachorro e papagaio, numa festa que teve até foguete. Não podia haver dúvida.

Porém, porém, porém – era mentira! Erro sacana de um jornalista nojento, que nem sabia copiar números. E que não tinha como indenizar o casal. Merecia ser preso e torturado (era a ditadura). Terrorista!

O leitor não premiado constatou o erro antes do almoço, ao passar numa agência da Loteria.

Perguntem o que fiz quando soube do drama? Perguntem se chorei? Perguntem se eles me bateram?

A mulher me mataria facilmente, mas o rapaz mulatão, fortinho, cara de torcedor fanático do meu Bahia, me olhou com desprezo – e disse:

-Vamos embora. Não adianta perder tempo com este aí….
Só faltou gritar assim: “Gentalha, gentalha, gentalha!”

A mulher rogou praga: “Durante o resto da sua vida você vai ter remorsos”. Vero, vero…Tenho até pesadelos com isso.

NÃO ME EMENDEI

Pensam que me corrigi?

Dez anos depois, em Brasília, todos me reconheciam como bom jornalista. Tanto que tinha três empregos.

Pela manhã, fingia que trabalhava numa assessoria. À tarde, editava o caderno nacional do Correio Braziliziense. E à noite era Editor de Polícia do Diário de Brasília. Me matava de trabalhar!

O chefãozão do Correio era Ari Cunha. Num dia, deixei na mesa do Ari uma chamada de primeira página destacando o “aumento do salário mínimo”, que havia sido anunciado pela manhã. Era divulgação importante, que afetava todos os empregadores da Capital.

Naquela época, o governo divulgava uma vez por ano cinco mínimos diferentes, com valores proporcionais à condição econômica de cada região. Claro que o mínimo do DF era um dos mais altos do Brasil.

O Correio deu de manchete na primeira página o valor
do salário mínimo do Piauí, como se fosse o de Brasília, que era bem maior. Meu Deus, que cagada deste baiano, que mais uma vez copiou o número errado!!!!

Quando cheguei na redação, o clima estava horrível. Um redator mais velho, paternal, me chamou de canto e preveniu: “Deu merda!”

Pouco depois, o chefãozão Ari Cunha aproximou-se solenemente da minha mesa. Falou forte, em pé, de braços cruzados, para todo mundo ouvir:

-O que se faz com um redator que erra o salário mínimo na primeira página de um jornal importante como o Correio Braziliense? Me diga, me diga.. O que se faz?

Pausa geral. Todo mundo interrompeu tudo. O culpado precisava pedir desculpas, chorar, reconhecer a culpa, se rasgar, comer uma lauda de papel, qualquer coisa…

Permaneci humildemente sentado. Cinco segundos depois respondi, num tom que pudesse ser bem escutado por todos:

-Só tem uma coisa a se fazer com esta pessoa: DEMITIR!!!!!

Cara! Todo mundo parou de respirar. Da minha parte, pensei que Ari fosse bater na minha cabeça. Sabem qual foi a reação do poderoso cearense? Ele falou bem forte a frase seguinte:

-NÃO FODE, BAIANO! – e deu meia volta, solenemente, de cabeça erguida.

Nunca mais ninguém falou do meu erro. Fiquei mais algum tempo por lá, trabalhando mais do que um escravo.

E aprendi a revisar de modo neurótico cada erro. Nunca mais cometi gafe semelhante – creio.

(RENATO RIELLA – Republico estas historinhas reais, porque achei que são muito apropriadas para o momento da imprensa brasileira)

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