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jan 30 2013

Crise e mudança de hábitos – educação

 

JOSÉ PASTORE

Peço ao leitor a devida vênia para apresentar   informações geradas não por pesquisas, como sempre faço, mas por relatos de   pessoas atentas e que acompanham a evolução da crise nos países ricos. Há   desdobramentos inusitados.

Os jornalistas Guilherme Serôdio e Marta Nogueira   informam, por exemplo, que a crise pode reduzir o afluxo de estrangeiros para   o próximo carnaval do Rio de Janeiro. A diminuição da presença de empresários   europeus e americanos já fora percebida no carnaval de 2012 e deve se agravar   em 2013 (“Crise na Europa muda o perfil de turista no Rio”, Valor,   17/1/2013).

Os dados que chegam da Europa mostram, de fato,   que os europeus estão bem mais cautelosos no gastar. Para a maioria das   famílias, a troca do carro vem sendo anualmente adiada. A indústria sente   isso e seus lucros encolhem. No geral, o consumo de bens e serviços caiu 1%   no ano passado e a confiança dos consumidores chegou ao seu nível mais baixo   desde 2009. Estes passaram a se servir de lojas e marcas mais baratas em   substituição às que sempre compraram (Sam Schechner, “Consumidores europeus   não querem saber de gastar”, Wall Street Journal, 6/8/2012).

Relatos da imprensa europeia indicam que o lazer   doméstico também foi afetado. As salas de cinema estão mais vazias, os   restaurantes já não têm fila de espera e muitas famílias adiaram as férias –   sine die. Em alguns países há registros de cortes de gastos até mesmo de   telefone celular. Só em 2012, mais de 1 milhão de linhas foram abandonadas   (Álvaro Fagundes, “Com crise, europeu corta celular, cinema e academia”, Folha,   12/8/2012).

A escalada do desemprego afeta não apenas os   desempregados, mas também os que continuam trabalhando e temem ficar sem o   emprego a qualquer momento. A própria capacidade de as pessoas socorrerem   familiares em dificuldade está diminuindo. Até italianos estão sendo forçados   a viver sem a “nonna”, pois os idosos foram forçados a trabalhar   fora de casa e não podem cuidar das crianças. Os que já trabalhavam tiveram   de “convidar” filhos, genros e noras a saírem do abrigo familiar   por causa da insolvência dos idosos (Nadia S. Cohen, “Italianos aprendem a   viver sem a nonna”, Wall Street Journal, 22/6/2012).

Os mais velhos estão sendo forçados a trabalhar   mais tempo também em razão das mudanças nas regras da aposentadoria. Muitos   países já fixaram a idade mínima em 62 anos, outros já chegaram a 65 e um bom   número chegará a 67 anos em pouco tempo. Na Dinamarca, a idade será de 69   anos em 2020.

Também nos Estados Unidos a crise levou as   famílias a gastarem menos e poupar mais. O consumo sofreu uma redução porque,   em menos de cinco anos, a taxa de poupança passou de zero para 5%. Vários   hábitos gastadores vêm se modificando. Os shows da Broadway sofreram um baque   em 2009-2011, tendo se recuperado parcialmente em 2012. As férias perdulárias   foram cortadas na maioria das famílias. As que perderam suas casas eliminaram   não só férias, como também a troca de carro, a renovação do guarda-roupa e a   alimentação fora de casa. Nas grandes cidades, o café levado de casa   substituiu o comprado nos bares (Marcos de Moura e Souza, “Crise forçou uma   ampla mudança comportamental”, Valor, 3/10/2011).

Será que as mudanças vieram para ficar? Estaria   aí o fim da vie en rose, da dolce vità, do nice way of life?   As observações resenhadas indicam que, com o aprofundamento da crise, há o   avanço das mudanças. Mas ninguém garante que os hábitos perdulários dos   europeus e, principalmente, dos americanos foram apagados para sempre   naquelas sociedades. No Brasil, tivemos uma mudança radical de comportamento   dos consumidores no grande apagão de 2001. O povo entendeu que era preciso   economizar energia. Ao que tudo indica, porém, a gastança voltou, a ponto de   preocupar os responsáveis pelo abastecimento. E o barateamento das tarifas,   vai ajudar ou dificultar o uso da sensatez?

* José Pastore é professor de Relações do   Trabalho da FEA-USP e membro da Academia Paulista de Letras (artigo publicado no jornal Estadão).

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