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abr 25 2015

DAR MESADA AOS FILHOS OU NÃO, EIS A QUESTÃO!

RENATO RIELLA

Hoje cedo, na porta do BB do Octgonal, uma menina de dez anos vendia coisitas diversas, numa mesinha improvisada.

Meio gordinha, morena tipo mexicana (mas brasileira), disse ser artesã, produzindo lindos ímãs de geladeira.

Como não mando nem na geladeira lá de casa, doei dez reais a ela e mandei que entregasse o meu ímã a qualquer pessoa sem grana.

No carro, refleti sobre a discussão recente de se dar (ou não) mesada a filhos (não é o caso da menina pobre dos ímãs, com cabelo preso igual a Dona Canô, que precisa vender coisitas na rua para comer).

VENDEDOR AOS 10 ANOS

Lembrei que meu pai era dono de armazém considerado rico em Salvador, mas nunca nos deu mesada (sei, era mão fechada!)

Um dia, ele trouxe do armazém uma caixa grande, cheia de chicletes de bola. Nos ensinou a calcular um preço mais baixo do que o da padaria da esquina.

Junto com meu irmão Humberto, a gente ganhava uma graninha vendendo chicletes, num balcão improvisado na janela da casa, na Cidade Baixa de Salvador. E estourava o dinheiro à medida em que ele entrava.

Este trabalho aos dez anos de idade nos parecia útil, normal, interessante e lucrativo. Ainda sobrava dois ou três chicletes para consumo próprio…

Noutro dia, meu pai trouxe no carro importado que tinha, na década de 50, alguns sacos grandes, com bolas de gude que ele vendia para revendedores de varejo do interior.

Explicou que, dentro de cada saco, havia pequena quantidade de gudes especiais, chamadas de “olho de gato”. Vinham misturadas com as comuns. “Espalhem essas bolas no pátio. Separem até cinco das especiais por saco, depois embalem tudo de novo”, disse ele.

E assim, a gente conseguiu separar 50 “olhos de gato”, que vendemos na janela por uma boa nota.

PROFESSOR AOS 13 ANOS

Poucos anos depois, a família já morava num bairro mais nobre, a Pituba de Salvador, que parecia o Lago Sul de Brasília hoje.

Um dia, no jantar, meu pai olhou pra mim rindo e disse: “Arranjei um trabalho ótimo para você”. E eu só tinha 13 anos, estudante de ginasial nos Maristas.

Explicou que, todo dia de tarde, das 15h às 16h, eu iria dar aulas aos filhos do Ivo, seu sócio no armazém – e Ivo me pagaria por isso, é claro. Garantiu ao sócio que eu sabia tudo, tudinho, confiança total.

Nem pisquei, nem pestanejei, como se diz ainda na Bahia. Os meninos do Ivo estavam para ser reprovados no curso primário, não faziam os deveres de casa, etc.

No primeiro dia de aula (13 anos!), “expulsei” a jovem mãe da sala e perguntei aos carinhas se já haviam feito os deveres: “Puta merda, vocês são uns merdinhas! Tratem de fazer logo, porra!”

Nenhum aluno nunca viu um professor tão desbocado. Empatia total no primeiro encontro! Às 16h, deveres feitos, lição tomada, peguei minha bicicleta e fui jogar bola com os desocupados da Bahia (redundância!) – que ninguém é de ferro.

Ivo me pagava legal e minha mãe, Cecília, administrava minha grana sem passar pela minha mão (só usei o dinheiro aos 18 anos, para comprar um Fusca velhinho).

A esposa do Ivo, mãe dos meninos, era bonitona (um rapaz de 13 anos não “perdoa” mulher bonita, seja professora ou mãe alheia).

Virei super-herói dela, que me oferecia lanches maravilhosos e me indicou muitos outros alunos, aos quais dei aulas até os 18 anos, quando já trabalhava em jornal.

Fui o “rei da segunda época” em Salvador (hoje, recuperação) e nunca um aluno meu foi reprovado. Dei até aulas de Matemática e Física!

Meu pai nunca comentou nada comigo. Para ele, trabalhar a partir dos 10 anos era normal, banal. Afinal, o dinheiro ficava para mim mesmo, que já tinha todas as despesas básicas pagas pelo chamado lar.

Assim, quando entreguei hoje dez reais à menina dos ímãs, lembrei como é bom ser criança e voltar para casa com o próprio dinheiro.

Esqueçam esta discussão da mesada, pois menino não foi feito para administrar grana. E não fica traumatizado se começar a trabalhar muito cedo.

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