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fev 21 2014

historinha real: AMAURÍ, DE UM NADA SE FEZ MUITO

RENATO RIELLA

De onde nada se espera é de onde podem sair algumas coisas. Foi assim a passagem do Amaurí pela minha vida.

Na década de 80, na redação do Correio Braziliense, havia um neguinho feio, bem novinho, rápido. Era um contínuo desonesto, que ficava com nosso troco quando ia comprar lanches na cantina.

-“Amauri, me devolva pelo menos R$ 5,00”!- e ele me deu o troco, rindo. Percebi que ficou com pelo menos R$ 10,00…

Passava nas mesas com linguagem evangélica, até que o editor Fernando Lemos, num dia qualquer, desafiou: “Faça uma pregação para nós!”

Tiramos as máquinas de escrever de duas mesas, elevamos o pregador e demos a ele vinte minutos de atenção. Falou bem, como se fosse um pastor. Ao final, foi aplaudido, desceu – e continuou roubando nossos trocos.

PREGOU BONITO PARA O RORIZ

Fiquei anos sem ver Amaurí. Na campanha eleitoral de 1990, organizei caminhada do Roriz na Comercial da Ceilândia. Meu grupo ia sempre 50 metros à frente.

De repente, na porta de uma igreja evangélica pequena, estava o grande Amaurí. Bem vestido, sapato de couro preto, calça preta e camisa social branca por dentro da calça, com manga fechada nos punhos.

Disse que era o pastor. Rapidamente, pedi que deixasse o candidato entrar no templo. Fez mais do que isso: levou Roriz ao altar e produziu vibrante pregação em favor do governador, que ficou emocionado.

Amaurí até parecia mais alto, nos seus 1m50.

“Tchau, obrigado” – e fiquei mais de dez anos sem vê-lo.

PREGAÇÃO DE GRANDE EFEITO

Já depois do ano 2000, fui à Polimídia do Fernando Lemos e encontrei Amaurí, que devia estar pedindo ajuda ao antigo chefe.

Percebeu meu péssimo estado de espírito. Contei que fiz um trabalho para um cara, que estava me devendo mais de R$ 30 mil. “Já paguei imposto, estou devendo a fornecedores e o picareta nada de pagar!” – expliquei.

Percebi que Amaurí havia engordado bastante. Barriga inchada. Rosto marcado. Mas estava impecável na roupa de pastor.

Ele gostava muito de mim. Na redação, quando o pessoal começava a ridicularizar o pequenino evangélico, a minha interferência discreta servia para salvá-lo.

Naquele dia de crise, Amauri decidiu me salvar. Viu que o meu estado não era realmente bom.

Com autoridade, botou as duas mãos na minha cintura. Me empurrou para um canto de parede e fez pregação vibrante, chocante, de deixar a pessoa tonta.

Depois de quatro a cinco minutos me agitando, parou, respirou, deu um tapa forte no meu ombro e disse:

-“Pode procurar o homem. Ele vai lhe pagar hoje!”

Era fim de manhã. Saí andando, perplexo. Almocei no Coisas da Terra do meu amigo Udileston e parti para a cobrança. Se precisasse, hoje ia ter barraco. Era pagar ou pagar!

Quando cheguei no escritório do devedor, tomei chá de cadeira de meia hora. Aí o cara apareceu, amável, e perguntou se eu preferia receber em dinheiro ou por transferência bancária.

Desconfiado, disse entredentes: “Dinheiro, claro!”

Fomos a pé até o Banco do Brasil do Setor Comercial Sul. Peguei os R$ 30 mil, enfiei em dois bolsos de calça jeans e saí pagando aqui e ali. Não sobrou quase nada.

De noite, barriga pra cima na cama, lembrei: “Meu Deus, a reza do Amauri funcionou! Proteja ele”

Meses depois, fui à Polimídia. Lá, a supersecretária Mara me perguntou com jeito inocente: “Sabe quem morreu?” E ela mesmo respondeu: “O Amaurí!”

Até hoje tenho remorso por nunca ter agradecido a ele. Mais do que isso, por não ter pedido que se cuidasse, emagrecendo, indo a médico, fazendo exercício, entre outras coisas.

Ficou a lembrança de um ser humano que evoluiu. Graças a Amaurí, sinceramente, não tenho preconceito contra igrejas evangélicas. Como tudo no mundo, umas prestam; outras não.

Essas igrejas possibilitam a ascensão social e moral de meros afanadores de troco, tipo o grande Amaurí, que deve ter morrido realizado.

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