FERNANDO SABINO
A caminho da Gávea, entro num botequim pra tomar um café. Na verdade estou é adiando o momento de escrever. Não sou poeta e estou sem assunto.
Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim, vi um casal de pretos sentar-se à mesa. A compostura de humildade na contenção de gastos e palavras deixa-se acentuar pela presença de uma negrinha de seus três anos.
Passo a observá- los.
O pai tira do bolso, depois de contar, o dinheiro, aborda o garçom e aponta no balcão um pedaço de bolo.
A mãe aguarda ansiosa a aprovação do garçon e suspira. Ele encaminha a ordem do freguês.
O pai apanha a porção do bolo com a mão e larga-o no pratinho. Por que não começam a comer?
A mãe retira da bolsa três velinhas. O pai risca o fósforo e a menina como num gesto ensaiado põe-se a bater palmas.
Os três balbuciam “um parabéns pra você”.
O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito pelo sucesso da celebração.
De súbito, dá comigo, que o observo. Nossos olhos se encontram. Ele se perturba, vacila, mas sustenta o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu queria a Minha Ultima Crônica: que fosse pura como esse sorriso.
(Sugestão de Maria Tereza Mota Esmeraldo)