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ago 02 2015

LÚCIO COSTA DECRETOU QUE É PERMITIDO PISAR NA GRAMA EM BRASÍLIA

RENATO RIELLA

Os brasilienses não percebem isso no dia a dia, mas gozam de uma liberdade única no mundo: aqui é permitido pisar na grama.

Lembrei disso ao ler a entrevista de Rodrigo Rollemberg hoje no Correio.

O governador conta que, quando criança, estava jogando bola no gramado público, na Asa Sul. De repente, chegaram os fiscais da prefeitura, que tomaram a bola e espanaram os garotos. No período duro dos governos militares, era permitido proibir qualquer coisa.

Lúcio Costa, numa das suas poucas visitas a Brasília, estava almoçando nesse dia na casa da família Rollemberg. Os meninos sem bola foram em comitiva falar com o arquiteto que inventou Brasília.

E viram o grande Lúcio reafirmar o que vivemos hoje: a grama foi feita para o uso da população e principalmente para o lazer das crianças. Pena que, em plena ditadura, ele já não fosse ouvido. Nada pôde fazer, a não ser deixar essa solidariedade, que entra na história da cidade pelo relato da testemunha Rollemberg.

 

UMA DAS MAIORES PERSONALIDADES DO MUNDO

 

Lúcio Costa se dizia ateu, mas foi uma das maiores personalidades que Deus ofereceu ao mundo. No seu modo de ser, quase um santo, mas certamente um gênio, e um ser humano de comportamento raro, talvez único.

Com tanta bondade e aparente falta de fé, o arquiteto e urbanista maior do Brasil mantinha sempre o equilíbrio, apesar da grande tragédia que enfrentou em 1954 (três anos antes de projetar Brasília).

Conto a história: o já famoso arquiteto tinha um carro importado. Num domingo, levava as duas filhas e a mulher, Julieta, pelas estradas das serras fluminenses. Iam almoçar na casa do sogro de Lúcio.

No caminho, o veículo tombou ao lado da estrada. Três dos passageiros não se machucaram. A jovem mãe, Julieta, morreu.

Vi um depoimento em vídeo, do próprio Lúcio, em que ele explica o que aconteceu. Disse que o carro tinha uma alavanca ao lado do volante, para passar marchas, de ponta. Era comum isso nos veículos importados.

De forma inacreditável, com o movimento da batida, Julieta Guimarães projetou-se em cima dessa peça de metal, que perfurou o seu peito fatalmente.

Isso talvez explique o jeito contido do pai de Brasília, sempre com uma expressão meditativa, mas cortês, educado, sereno.

Falta muita informação sobre Lúcio Costa nesta Brasília mal agradecida. Nas escolas, talvez os nossos alunos aprendam pouco sobre ele.

 

COMO FAZER CALÇADAS NOS GRAMADOS?

 

Voltando a falar dos nossos incríveis gramados, há outra história ótima, que um velho engenheiro me contou.

Disse que perguntaram a Lúcio Costa, numa das poucas visitas a Brasília, como fazer para demarcar pisos acimentados em meio ao verde da cidade. A resposta foi surpreendente:

-Onde houver caminhos de ratos vocês fazem as novas calçadas.

E assim foi feito. E assim ainda é feito. Mas é preciso explicar o que é caminho de ratos. Trata-se de gíria para definir os pedaços do gramado comidos pela passagem persistente de pedestres.

Portanto, como a grama já estava abatida pelos caminhantes, aí haveria caminhos naturais. E ficou, mais do que nunca, instituída a liberdade de se pisar na grama em Brasília, para surpresa dos turistas que vêm de cidades menos livres.

Da minha parte, sempre que penso em Lúcio Costa me emociono. Deve ter sido o ateu mais bem recebido no Céu em todas as eras da humanidade. E Brasília certamente persiste, sendo abençoada por ele.

 

 

 

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