
Três cientistas — os americanos Mary E. Brunkow e Fred Ramsdell e o japonês Shimon Sakaguchi — levaram o Nobel de Medicina de 2025 por revelar como o sistema imunológico evita atacar o próprio corpo. As descobertas sobre a chamada tolerância imune periférica explicam como o sistema distingue o próprio tecido de agentes invasores.
Brunkow, Ramsdell e Sakaguchi dividirão o prêmio de 11 milhões de coroas suecas (R$ 6,2 milhões) concedido pela Assembleia do Nobel no Instituto Karolinska, da Suécia. O anúncio foi feito na manhã hoje (6).
A pesquisa dos laureados revelou como o sistema imunológico é mantido sob controle e por que ele não destrói o próprio organismo. As descobertas identificaram as chamadas células T reguladoras, que funcionam como “guardiãs” do sistema imune, impedindo que linfócitos ataquem órgãos e tecidos saudáveis.
Essas descobertas abriram um novo campo de pesquisa — o da tolerância periférica — e impulsionaram o desenvolvimento de tratamentos para câncer, doenças autoimunes e até transplantes, alguns já em fase de testes clínicos.
Especialistas ouvidos pelo g1 destacam que o reconhecimento do Nobel consolida um campo que redefine o entendimento sobre como o corpo equilibra defesa e autocontrole — algo essencial tanto para evitar doenças autoimunes quanto para aprimorar terapias oncológicas.
“O sistema imunológico é altamente específico: precisa reconhecer e atacar agentes estranhos, como vírus e bactérias, sem reagir contra o próprio organismo. Parte desse controle acontece dentro do timo e da medula óssea, mas outro mecanismo igualmente essencial ocorre fora desses órgãos — a tolerância imunológica periférica, tema reconhecido pelo Nobel de 2025″, explica Bruno Solano, médico e pesquisador do IDOR Ciência Pioneira e da Fiocruz/BA.
Ainda segundo o pesquisador, as descobertas premiadas explicam como o corpo mantém esse equilíbrio, com a identificação das células T regulatórias e do papel do gene FOXP3, que atuam como um freio para impedir respostas autoimunes. “Esse entendimento abre caminho para terapias mais seguras em doenças autoimunes, câncer e transplantes”, detalha.
O sistema imunológico é uma das engrenagens mais complexas do corpo humano. Ele nos protege, todos os dias, de milhares de vírus, bactérias e outros microrganismos que tentam invadir o organismo. Mas, para funcionar corretamente, precisa de controle: quando essa regulação falha, o sistema pode se voltar contra o próprio corpo — o que dá origem às chamadas doenças autoimunes.
Durante décadas, acreditava-se que o corpo eliminava naturalmente, no timo, as células capazes de atacar tecidos saudáveis — um processo conhecido como tolerância central. No entanto, os trabalhos dos três cientistas mostraram que esse mecanismo era apenas parte da história.
Em 1995, o japonês Shimon Sakaguchi, então pesquisador do Aichi Cancer Center, descobriu uma nova classe de células imunológicas — as células T reguladoras — responsáveis por impedir que o sistema imune destrua os próprios tecidos. Sakaguchi demonstrou que, além de eliminar células potencialmente perigosas, o organismo também mantém “guardas de segurança” que supervisionam a resposta imune, evitando ataques indevidos.
Anos depois, em 2001, os americanos Mary E. Brunkow e Fred Ramsdell identificaram o gene FOXP3, essencial para a formação dessas células T reguladoras. A descoberta ocorreu a partir do estudo de camundongos com uma mutação genética chamada scurfy, que apresentavam inflamações severas e morriam ainda filhotes. O mesmo defeito genético foi observado em crianças com uma doença rara e grave, a síndrome IPEX, causada por mutações no FOXP3.
Dois anos depois, Sakaguchi provou que o gene FOXP3 é o regulador direto das células que ele havia descrito anos antes — confirmando o elo entre os achados dos três pesquisadores. O trabalho conjunto lançou as bases de um novo campo científico, o da tolerância imune periférica, que explica como o corpo se protege de si mesmo.
As descobertas transformaram a compreensão de doenças autoimunes e abriram caminho para novas terapias. Pesquisas atuais investigam como estimular as células T reguladoras para tratar enfermidades como diabetes tipo 1, lúpus e esclerose múltipla, e também como inibir sua ação em tumores, já que alguns cânceres “se escondem” atrás dessas células para escapar do sistema imune.
Ensaios clínicos em andamento testam o uso da interleucina-2, uma substância que ajuda as T reguladoras a proliferar, em pacientes com doenças autoimunes e em pessoas que receberam transplantes de órgãos. Outras linhas de pesquisa trabalham com terapia celular personalizada — multiplicando T reguladoras em laboratório e reinjetando-as no paciente para controlar inflamações graves.
O Comitê do Nobel destacou que, com essas descobertas, “os laureados lançaram as bases para o desenvolvimento de tratamentos que podem beneficiar milhões de pessoas”.
- Mary E. Brunkow, nascida em 1961, tem doutorado pela Universidade de Princeton e atua como gerente de programas sênior no Institute for Systems Biology, em Seattle, nos Estados Unidos.
- Fred Ramsdell, nascido em 1960, doutorou-se em 1987 pela Universidade da Califórnia (UCLA) e hoje é consultor científico da Sonoma Biotherapeutics, em San Francisco, especializada em terapias celulares para doenças autoimunes.
- Shimon Sakaguchi, nascido em 1951, formou-se em Medicina e fez doutorado na Universidade de Kyoto, no Japão. É professor emérito do Immunology Frontier Research Center, da Universidade de Osaka, e é considerado um dos pioneiros mundiais no estudo da tolerância imunológica.
As descobertas de Brunkow, Ramsdell e Sakaguchi consolidaram um novo paradigma da imunologia moderna — explicando como o corpo distingue o “eu” do “invasor” e como restaurar esse equilíbrio quando ele se perde.
Fonte:g1- Talyta Vespa, Roberto Peixoto, g1
Imagem – Niklas Elmehed