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maio 31 2015

O DIA EM QUE ENFRENTEI O DOMADOR ORLANDO ORFEI

RENATO RIELLA

O famosíssimo Orlando Orfei surgiu a 50 metros de distância, vestido com aquele traje de domador de leões. Estalava no ar o chicote que usava para amedrontar os felinos. Pensei: “Estou fudido!”

Mas pânico de jornalista dura dez segundos. Logo, pensei: vamos ver o que vai dar!

Esta impressionante história aconteceu há 44 anos. Comecei em jornal com 17 anos, nos Diários Associados (equivalente à Rede Globo de hoje).

Aos 22 anos, quando enfrentei Orlando Orfei, já era chefe de redação do Diário de Notícias, um jornal centenário, importante em Salvador.

O jornal funcionava num prédio histórico, da época do Império, com piso suspenso de madeira (hoje é um museu no centro de Salvador).

Minha mesa de chefe de redação ficava de frente para a entrada do prédio, em cima de um estrado com 20 cm de altura, para destacar a Chefia.

E lá vem Orlando Orfeu, batendo as enormes botas pretas na escada de madeira – e brandindo o chicote no ar!

O DOBRO DO MEU PESO

O cara era enorme, cinematográfico, com fortes cabelos louros desalinhados, e vozeirão italiano

Parou debaixo do meu estrado de chefia e perguntou com firmeza: “Quem é o chefe de redação?”. Com voz firme e já sem medo, respondi no mesmo tom: “Sou eu!” O cara se assustou: “Vocêêê?”

Orlando Orfeu não podia acreditar que aquela redação de pessoas mais velhas ali presentes fosse chefiada por um garoto barbudo, cabeludo, com a metade do seu peso, parecendo um “Novo Baiano”. Mas era assim. E assim foi.

Aproveitando a deixa, levantei-me. Não me considero baixinho (sou da altura do Romário). No estrado, fiquei da altura do visitante.

Cara a cara, Orlando Orfei levantou o braço esquerdo em gesto imperial e fez um assessor trazer uma pasta de papel. Dentro da pasta, um monte de recortes de jornais.

Bravo, gesticulante, provou que era endeusado pela imprensa em todas as cidades, mas fora atacado pelos meus repórteres em Salvador.

Lembrei da nossa dura reportagem, que acusava o Circo Orlando Orfei pelo uso de crianças pobres para distribuir panfletos nas portas das escolas.

Rápido, cresci no raciocínio. Mostrei que minha equipe tentou falar com ele sobre o assunto, mas foi escorraçada. E fiz o comentário certo: “Convenhamos que falar com Orlando Orfei é mesmo difícil. Mas felizmente o senhor está aqui!”

Chamei de senhor porque tinha o dobro da minha idade, com um chicote na mão (hoje ele tem 94 anos e mora em Nova Iguaçu).

Sem dar tempo ao ídolo de pensar, desci do estrado, peguei uma cadeira, sentei o cara enorme ao meu lado, com bota e chicote, e roupa de domador (talvez cheiro de leão).

Botei papel numa máquina de escrever. Comecei a elaborar, de primeira, uma matéria, que ia se completando à medida que Orlando Orfei me passava novos dados.

Ele me convenceu, ao provar que fazia um importante trabalho social com as crianças pobres. Pagava diária a cada um dos meninos e dava ingressos para eles assistirem o show em ala apropriada, etc.

Me pareceu uma grande pessoa. No dia seguinte, saí com uma página assinada por mim (o chefe de redação), usando fotos da reportagem crítica e também da “visita” que ele fez à redação.

Dei um passeio com Orlando Orfei pelo jornal. Até levei o novo amigo à oficina gráfica, onde foi apresentado ao grande sambista Batatinha, que trabalhava com a gente como linotipista.

Dois dias depois, recebi um envelope do circo com 20 convites e um bilhete: “Ao amigo Renato, do Orlando Orfei” (não guardo nada; não guardei)

É claro que fui ver o excelente espetáculo. Cada vez que o chicote estalava, minha adrenalina subia. Mas não tentei falar com ele depois do show. Convenhamos, é muito difícil conseguir furar o bloqueio para cumprimentar uma personalidade como Orlando Orfei.

Espero que ele tenha vida longa.

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