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mar 03 2017

SEM ELEIÇÕES DIRETAS, O PARLASUL PODE SE TORNAR UMA ONG

 AYLÊ-SALASSIÉ F. QUINTÃO

Portas que se abriram para a integração dos sistemas produtivos nacionais e para  o mercado de trabalho regional, o Mercosul e o Parlasul agonizam, ante a omissão dos governos,  a indiferença dos políticos e o desinteresse da imprensa.

A criação do       bloco econômico  em 1991,  reunindo Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, projetou a alternativa de um desenvolvimento comum e a promoção da autonomia política regional.

Na fase inicial,  gerou resultados surpreendentes na balança comercial  de cada país, ativou negócios, amenizou conflitos potenciais, aumentou a circulação de empresários e cidadãos  nativos dentro da própria região.

Acabo de ler  o livro Parlasul: o espaço político da integração (vol 218, Editora Senado Federal, 2016)escrito pelo jornalista Marcos Dantas Magalhães, correspondente da Agência de Notícias do Senado para o  Mercosul, do qual brotou o Parlamento. Uma contribuição pragmática, distanciada,  texto e metodologia jornalística impecáveis.

Configura-se quase como uma fonte primária, embora, no meio acadêmico, haja resistência em considerar notícias de jornal como recurso para análises científicas .

Jornalistas  são, contudo,  olhos, ouvidos e ,às vezes, por suas qualificações e experiência, os únicos a captar o sentido dos fatos do cotidiano, aqueles que mexem, remexem e incomodam os cidadãos.

A leitura do livro sobre o Parlasul  fez-me voltar ao Americanidade: passaporte para a integração…, de minha autoria (SF, 2010, vol. 128) .De uma perspectiva acadêmica, acompanhei os momentos palpitantes e as inflexões no Mercosul, por meio das matérias e análises cotidianas dos jornalistas correspondentes .

Sem o registro atento e responsável daqueles profissionais, os pesquisadores estariam até hoje interpretando versões da história das duas instituições integracionistas configuradas por interesses , intrigas, ideologias e até visões exóticas.  Daí entender que a imprensa funciona como uma plataforma para a historicidade.

São outros quinhentos pretender  “…escovar a história a contrapelo…”, conforme sugere Walter Benjamin(1994), uma provocação indigesta para a discussão sobre a competência para ocupar o Lugar de Fala do jornalista.

Como jornalistas, cidadãos,  tanto eu quanto o Marco não nos livramos de uma passionalidade contida: []a porta para fechar é  aquilo que se abre[…]”(p.477). Minha abordagem é cultural, a do Marcos processual :“- Se não houver eleições diretas, o Parlasul vai virar uma ONG “(p.169). Os dois trabalhos são provocativos: pedem aprofundamento e reações.

Cheguei a propor ao Instituto de Estudos Legislativos do Senado a criação de uma Cátedra do Mercosul, com a finalidade de qualificar profissionais para a integração. Houve certo entusiasmo mas, depois, a proposta evaporou.

No trabalho do Marcos, no meu, no do Chico Sant‘Anna (Midia das Fontes, SF, 2009) e em dezenas de outros sobre o tema conclui-se que a integração só acontecerá quando a cidadania americanizar-se, chegar à população.

Se verdadeira a hipótese, a imprensa é indispensável para a integração. O jornalismo carrega consigo uma metodologia pedagógica, que chamo de “educação informal”, embora  a grande imprensa na América Latina atue pautada na ideia do bad news good news, que nos países liberais conspurca a liberdade de informação e, às vezes, a própria verdade.

Sua guardiã é a Sociedade Interamericana de Imprensa, suficientemente conservadora, ao expor a imprensa regional ao provincianismo. Copia-se tudo, não se produz nada.

Esse jornalismo abriga também, com grande infidelidade à profissão, tipos psicopáticos que, pelo irrealismo e limitações próprias, distorcem os fatos, a história e o destino das pessoas.

Como “quixotes”, estão sempre a imaginar a desconstrução. Refletem mundos particulares, confusos, idealizados em atitudes religiosamente messiânicas. Resulta daí um  conjunto de panacéias populistas, que jogam  no limbo projetos, estudos e  experiências preciosas.

Ora,  si somos americanos/somos hermanos señores! Precisamos cultivar uma prática e um norte gerado por aqui mesmo, escoimado das patologias – distinguidas com dificuldade – e dos preciosismos teorizantes.

A palavra “integração”, tem de adquirir significado próprio nos embates da vida cotidiana regional. É uma discussão para ser conduzida  por um “ Jornalismo de Agenda Positiva”, de construção de mundo, de reconfiguração.

Confrontando algumas passagens e personagens do livro do Marcos com eventos e atores  presentes nos cenários de ontem e de hoje ,  pode-se visualizar  claramente os  momentos de perdas de oportunidades no processo  . Aqueles em que ideais e iniciativas originais desviados do seu curso desfizeram, por exemplo, sonhos da geração de milhares de empregos potenciais no campo e na cidade.

Conclui-se que a integração poderia  estar cem anos adiantada se as sociedades regionais estivessem impregnadas do espírito da  americanidade, refletido, no mínimo, nas eleições diretas para o Parlasul. De outro lado, se o jornalismo fosse mais proativo e crítico em relação à integração.

Para o nosso provincianismo é indiferente. Os políticos e a imprensa liberal, instalados numa zona de relativo conforto, parecem acreditar que dá menos trabalho evitar assumir esse compromisso.

Aylê é jornalista, professor  doutor em História Cultural

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