JAIME SAUTCHUK
A campanha “Não vai ter Copa!”, levada por alguns grupos que se dizem insatisfeitos com a situação do país, poderá até causar algum tumulto, gerar barulho e ganhar a mídia internacional. Mas, em nada irá alterar o cronograma do evento esportivo em si, que segue de acordo com o previsto.
Em verdade, a campanha é muito mais uma torcida contra os jogos do que um movimento concreto, e não tem a mínima chance de vitória. É uma volta ao tempo das bruxarias. Seus próceres esperam, talvez, alguma catástrofe, uma desgraça qualquer que comova a nação. E que mate muita gente.
A própria crítica à reforma e construção de novos estádios consegue pouca repercussão. Pode-se até aceitar como procedente a crítica a alguns exageros, como o do Estádio Mané Garrincha, em Brasília, mas de resto cai no vazio. Até porque são obras necessárias, que ficarão para o futuro.
Dizer que esse dinheiro poderia ser aplicado em saúde e educação, por exemplo, é falsear a realidade. Primeiro, porque o esporte também é saúde e educação. Ademais, os gastos com os estádios parecem monstruosos, mas ficam pequenos quando confrontados com os itens orçamentários dos setores repetidamente citados.
O secretário-geral do Ministério do Esporte, Luiz Fernandes, dá alguns números. Por exemplo: os estádios, juntos, vão custar pouco mais de R$ 8 bilhões. Portanto, menos de 1% do total gasto pela União em saúde e educação nos últimos quatro anos, que é de R$ 840 bilhões.
Vale lembrar, também, que o grosso dos investimentos nessas arenas é privado. Mesmo que, em boa parte, sejam financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas é dinheiro emprestado, como em outro empreendimento qualquer.
BANDALHEIRA DA CBF
O fato de a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ser a bandalheira que é não altera em nada o quadro geral. A CBF é isso mesmo há décadas e seus dirigentes alegam que se trata de entidade privada, de modo que não aceita ingerência do governo. Não aceita nem dinheiro, aliás, que é para evitar alguma auditoria pública.
Essa situação não é de hoje, portanto. Começou na década de 1950, com João Havelange, o chefão da máfia do futebol no Brasil e no Mundo. Desde 1937, ele mesclava sua atividade atlética, no polo aquático, com as de empresário e dirigente de entidades. Era dono de loja de armas no Rio de Janeiro, e, também, da empresa de ônibus interestadual Cometa.
Ele se elegeu presidente da antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD) em 1956. A parte de futebol, porém, ficava com o empresário paulista Paulo Machado de Carvalho, que levou o Brasil à vitória na Copa de 1958, foi chamado pela mídia de “Marechal da Vitória” e homenageado pelo presidente Juscelino Kubitschek em estrondosa festa no Pacaembu, em São Paulo. E repetiu o feito no Chile, na Copa de 1962.
O DOMÍNIO DO HAVELANGE
Havelange sequer foi às duas copas. Mas, vendo que o futebol era o filé dos cifrões nos desportos, expulsou Paulo Machado e assumiu o setor. Já no processo da Copa de 66, aprontou mil e umas. Montou um time com 45 jogadores para rodar o mundo e, na competição mesmo, obteve o retumbante fracasso que todos conhecemos e amargamos.
A separação da CBF dos esportes olímpicos, coma criação do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), iniciada depois do “mundialito” de 74, selou o domínio de Havelange no futebol. Ele indicou seu genro Ricardo Teixeira para comandar esse esporte e foi eleito presidente da FIFA, num ardil político que envolveu até o Pelé.
A partir de então, tanto na FIFA como na CBF, ele montou uma dinastia que perdura até hoje. Jogadas enormes, envolvendo muito dinheiro, são feitas por eles em torno da Seleção, entra governo, sai governo. Se há alguém a derrubar, pois, é essa clã, o que tornaria a atividade esportiva mais transparente, para o bem do Brasil.
O fato é que isso tudo não retira a paixão que a gente tem pelo futebol. Política é política, futebol e futebol. Afinal, na Copa de 1970, no período mais duro da ditadura militar, todos torcemos pela seleção canarinho. E agora não será diferente, democraticamente.