«

»

jan 15 2019

ACREDITE: EM 1994, DEZ ANOS DEPOIS DA REVOLUÇÃO MILITAR, UMA PATRULHA DA DITADURA INVADIU MINHA CASA NA MADRUGADA

Vejo um monte de gente contando histórias horríveis da chamada Revolução Militar, que acabou em 1984. Ora, já morreu quase todo mundo. Não há mais o que se contar.

Mas imagine o meu caso. Dez anos depois do fim da ditadura, em plena democracia do Governo Itamar, recebi em minha casa do Lago Sul, aqui em Brasília, a visita de um comando militar barríssima pesada, de madrugada.

Ninguém vai acreditar. Talvez seja a história mais inacreditável da minha lista, mas aconteceu. E cito boas testemunhas.

Tudo começou em 1993, quando o então governador do DF, Joaquim Roriz, foi envolvido injustamente na CPI da Previdência. Houve uma guerra com os petistas, que queriam derrubá-lo de qualquer jeito. Não conseguiram!

Como secretário do Trabalho, me uni ao meu amigo secretário da Cultura, Fernando Lemos, para orientar Roriz nessa briga sangrenta. Nosso quartel-general funcionava na Residência Oficial de Águas Claras.

Um dia, Fernando me chamou de lado e disse:

-Olha quem está ali, cara. O Dr. André Luiz!!!

Tomei um susto. O único André Luiz que a gente conhecia era o Coronel Sávio, que usava este codinome na ditadura. Foi um dos principais espiões, de linha-dura, contra os terroristas de esquerda.

Nós dois conhecíamos Sávio porque, em 1985, na última fase do Caso Mário Eugênio (nosso jornalista assassinado pela ditadura), o Coronel nos visitou na redação.

Na época, em missão oficial, não usou o codinome. Levou mensagem do ministro do Exército, garantindo que finalmente iria colaborar com as investigações feitas pelo jornal – e que levaram à prisão de militares e policiais. Saiu até foto dele no Correio.

Questionamos Roriz. Por que colocou um espião tão perigoso no nosso grupo?

O governador explicou que Sávio e sua equipe de ex-militares fizeram limpeza em Águas Claras e detectaram gravações clandestinas, como também grampos em telefones. “Agora está limpo”. Rimos, de forma meio cínica – e seguimos adiante.

Passaram-se meses. Consegui sair do governo (para sempre) e fui coordenar a campanha de Valmir Campelo, num comitê enorme localizado no SIA. Começou outra guerra.

Entrava às 7h da manhã e só chegava em casa à meia-noite, sem sentir nem pensar em nada. Loucura!

Um dia, bem cedo, entrei na sala de comando da campanha eleitoral, joguei um bolo de chaves pessoais (casa, carro, etc) na mesa e fui a uma reunião. Na volta, cadê as chaves?

Perguntei à supersecretária, Shana Ferreira, se tinha visto algo. Disse que apenas dois caras de farda, da Telebrasília, entraram, mexeram nos telefones e foram embora. Na verdade, repórter que sou, vi esses homens de meia idade sentados em banquinhos do comitê quando cheguei.

Relaxei. Tinha muito o que fazer. De tardinha, no maior sufoco, me ligou um cidadão com voz pastosa.

–Amigo Renato, aqui é o Dr.André Luiz!

–O único Dr. André Luiz que conheço não pode ter nada a ver comigo neste momento.

–É o que você pensa. Vou lhe contar. O seu amigo Roriz me deve 10 mil dólares daquele trabalhinho. Imagine você que estou devendo este dinheiro a dois homens do Cenimar, que não estão nada satisfeitos. Sei que a única pessoa capaz de cobrar este dinheiro a ele é você.

Explicando: Cenimar foi o temível Centro de Investigações da Marinha, que fez o diabo na época da ditadura.

Respondi com dureza que não tinha nada a fazer, mas ele preveniu em tom profissional:

–Não pense que vou desistir!

Conto pra vocês. Meu dia estava tão louco, com tanto problema numa campanha de governador, que fui dormir uma hora da manhã sem me preocupar com Sávio, nem André Luiz.

Felizmente tenho uma condição genética rara. Posso dormir tarde, mas sempre acordo antes das 6h.

Minha casa da QI 17 tinha portão de ferro antigo, fechado a chave. Na varanda aberta, ficavam dois carros.

O que vi? O que vi?

A porta principal do chamado lar estava escancarada. Três pares de tênis dos meninos foram colocados em trilha, entrando na sala.

Os carros estavam com as quatro portas abertas. E o portão de ferro, escancarado.

Tomei o maior susto da minha vida, mas não perdi o reflexo. Num salto, percorri os cômodos da casa e vi que estava tudo bem. Cheirei cada um dos três filhos, que estavam respirando. E fui sentar lá fora, na varanda.

Aí mentalmente xinguei: “Miserável Dr. André Luiz”.

Penteei o cabelo, meti calça e tênis, e saí voando. Cheguei em Águas Claras a 120 por hora, em dez minutos. Na portaria, gritei para os guardinhas: “CADÊ O GOVERNADOR?” Disseram que estava dando a caminhada matinal na trilha da Residência Oficial.

Estacionei o carro e dei uma intensa corrida de dois quilômetros, alcançando o grupo: Roriz, Major César Caldas e um assessor.

Contei a história sinteticamente, com ênfases diversas. Saindo de volta, berrei:

-Se este assunto não for resolvido até meio-dia, vou acampar na porta do Ministério do Exército, pedindo proteção para a minha família!

Profissional, sem se abalar, Roriz falou para o assessor: “Você ouviu. Resolva isso até as 12h!”

Dali fui trabalhar no comitê de campanha, normalmente. Mas antes liguei para um grande amigo, o coronel Jaime Telles, que foi Comandante da Escola de Educação Física do Exército e conhecia o coronel Sávio.

Mais ou menos às 11h, Jaime Telles me ligou, rindo: “Cara, você é fogo…acabaram de pagar”.

Imediatamente esqueci o assunto, que só volto a lembrar agora. Este caso louco vai entrar no livro que estou acabando de escrever: “100 Histórias REAIS Difíceis de ACREDITAR”. Breve (um dia) nas livrarias…

Pensam que acabou. Há coisas que não acabam nunca.

Cinco anos depois, em 1999, fui almoçar sanduíche de atum no Marietta do Setor Comercial às 16h (não tenham pena de mim; adoro esta vida maluca).

Sozinho, pensando em escrever um livro de causos no final da minha vida (não agora, claro), de repente senti que um cara se sentou na minha frente sem pedir licença.

Dei a maior risada, uma risada inexplicável, e falei alto: “Meu Deus, Dr. André Luiz ainda existe!”

Ele quase chorou. Disse que quase já não existia. Antes, tinha cerca de 1m70, meio fortinho. Em 1999, parecia menor, estava bem magro, com cabeça branca, cabelos ralos – mas firme, pois tinha sangue de guerra sempre.

Explicou que passava por dificuldades e havia sofrido derrame, com sequelas.

Terminei meu sanduíche, dei um abraço sem sentimento nele e desejei a proteção de Deus. Tchau!

Já deve ter morrido. Um dia até André Luiz morre.

(DETALHE – Quem soube desse caso: Roriz, Jaime Telles e Fernando Lemos, já mortos; Cesar Caldas, hoje coronel da reserva da PM; Valmir Campelo, talvez, Sergio Koffes e Shana Ferreira; acho que mais ninguém, além de vocês, meus crédulos leitores eventuais).

(RENATO RIELLA)

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode usar estas tags e atributos HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

*