«

»

out 24 2018

Artigo: A CASA DE SAUD

FRANCISCO SEIXAS DA COSTA

O caso do jornalista saudita, barbaramente assassinado no consulado do seu país em Istambul, recorda-nos os extremos impensáveis a que a violência de Estado pode chegar. E convida-nos a refletir sobre o estatuto de impunidade de que certos países têm vindo a usufruir na cena internacional.

É um segredo de Polichinelo o terrível panorama dos Direitos Humanos em algumas monarquias do Golfo, em especial na Arábia Saudita, país a que igualmente a ninguém passa pela cabeça exigir um mínimo de respeito pelas regras básicas de gestão democrática, quanto mais a observância dos preceitos do Estado de direito, como a separação de poderes.

O medievalismo institucional que por ali se vive é, de há muito, uma espécie de dado adquirido e praticamente incontestado, salvo quando a pressão mediática obriga a atenção, geralmente em face de algum arbítrio cometido contra cidadãos estrangeiros.

Cortar mãos a ladrões, chicotear prisioneiros ou fazê-los desaparecer, bem como outras barbaridades similares, parece serem práticas entendidas como fazendo parte de uma espécie de excecionalidade cultural.

Sublinhe-se que nem todos os países do Golfo se comportam da mesma maneira, sendo a Arábia Saudita o caso mais marcante pela negativa.

Com o anunciado recuo físico dos Estados Unidos da região, os sauditas, que vivem num histórico pânico estratégico face ao Irão, só atenuado ao tempo do equilíbrio armado Irão-Iraque, foram levados a concluir que têm de assumir rapidamente a liderança da sua própria defesa e mesmo tomar a ofensiva em zonas de confluência de poderes, como é o caso do Iemen.

Barack Obama tinha deixado claros os limites da complacência da América de então, e todos recordamos o ambiente gélido com que saiu, pela última vez, de Riade. Trump, pelo contrário, sem os pruridos do seu antecessor, usou a orfandade saudita para anunciar vendas fabulosas de armamento, sob o aplauso de Israel, objetivamente e de há muito o grande aliado da Arábia Saudita na região.

A “Casa de Saud” tinha, nos últimos tempos, tentado “vender” uma nova imagem, “modernizante” – expressão que no Golfo é usada para aplaudir qualquer mínima abertura no ambiente concentracionário que ali se vive, de discriminação e desrespeito pelas mulheres e minorias.

O novo príncipe, designado mediaticamente por uma sigla, passeava-se de jeans e era parceiro dos familiares do presidente americano. Só que, por detrás das aparências, havia a realidade e essa, ao que agora se sabe, é sinistra e violenta. Algum mundo reagiu. Até quando?

Francisco Seixas foi Embaixador de Portugal no Brasil

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode usar estas tags e atributos HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

*