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abr 25 2016

ARTIGO: BRASIL, UM PAÍS AUTOFÁGICO?

CARLOS FINO

Ao contrário dos norteamericanos, que todos os anos celebram sem complexos e com orgulho o dia de Colombo (12 de Outubro é feriado nos EUA), os brasileiros não celebram nem nunca celebraram o dia da descoberta do país pela frota de Pedro Álvares Cabral.

O desejo de forjarem a sua própria identidade, como se fossem filhos de si próprios, desde cedo levou o Brasil – os seus ideólogos e intérpretes – a menosprezar a herança portuguesa e quase tudo o que com ela se prende, a começar pela descoberta.

Questiona-se se ela foi acidental ou planeada, contesta-se que tenha sido Cabral o primeiro, sublinha-se que o território já era habitado.

Depois, sublinha-se toda a herança negativa – matança dos índios, destruição da mata atlântica, escravatura, burocracia, corrupção.

Raramente se reconhece a herança positiva – o desbravamento do território, um vasto patrimônio arquitetônico hoje reconhecido como valor universal pela UNESCO, um país de dimensões continentais unido sob a mesma língua e um fundo cultural comum, uma convivência tolerante entre as diferentes etnias…

Na leitura do passado histórico, a regra seguida pelos brasileiros é esta – se foi mau, a culpa é dos portugueses; se foi bom, é porque já eram brasileiros, mesmo que tudo se tenha passado antes da independência, em 1822.

O ressentimento anti-português (transversal, mas cultivado mais à esquerda do que à direita) é tanto mais estranho quanto é certo que em 1822 – data da independência – não havia ainda propriamente uma nação brasileira formada.

E a separação deu-se mais por responsabilidade portuguesa (a exigência das Cortes liberais de retirar ao Brasil o estatuto de reino que lhe havia sido reconhecido por D.João VI em 1815) do que por exigência brasileira.

Numa palavra – foi mais a intransigência dos portugueses de cá que levou os portugueses de lá a declararem a independência. Tivesse havido mais compreensão e talvez o Reino Unido tivesse podido prolongar-se por mais tempo para benefício mútuo.

Na célebre Semana de Arte Moderna de 1922 – que assinalou o primeiro centenário da independência – os modernistas lançaram a ideia do Brasil como país antropofágico – aquele que tudo devora e assimila, tornando-se mais forte do que os elementos exógenos que a ele chegaram ou o tentaram dominar.

A partir daí, o Brasil passou a revalorizar as suas raízes negras e índias, recalcando ou votando ao esquecimento as raízes portuguesas. “Nunca fomos catequizados. Fizemos foi o Carnaval” dizia o Manifesto Antropófago, sublinhando – “Tupi, or not tupi – that is the question.”

É compreensível que queiram matar o pai. Mas o terrível drama com que os brasileiros se debatem é este – cada vez que se olham ao espelho, por mais que o queiram apagar ou negar, por mais que se pintem de preto ou de vermelho, sempre se defrontam com o português que os pariu.

Não seria mais sensato, então, admitirem-no francamente e reconciliarem-se de vez com a herança lusa?

É que esse recalcamento, mais do que um enriquecedor gesto antropofágico, acaba por ser – dada a profundidade das raízes que os portugueses aqui deixaram – um altamente prejudicial gesto autofágico.

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