«

»

jul 14 2020

Artigo: Coração partido, metáfora que mata

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*

Se na troca de emails diários nas redes sociais  aparecer o emoji de um coração, é bom verificar a cor. Tem significados diferentes, e alguns podem estar indicando um stress  – tensão e instabilidade emocional – que a pessoa está vivendo, associado ou não à quarentena do Convid 19, podendo resultar em consequências dramáticas.

Assim, coração da cor laranja significa indiferença; verde, problemas inconfessos no relacionamento; azul, fetiches; preto, humor negro ou tristeza; marrom, algo tenebroso. Outras cores indicam alegria, paz ou amor, até paixão – difícil na pandemia. Mas, não se iluda. É uma linguagem de solitários, indecisos e angustiados que já não conseguem expressar a agonia existencial.

Chama-se “síndrome do coração partido”, conhecida na medicina como “cardiomiopatia de Takotsubo” um mal que afeta o músculo cardíaco , ao provocar a expansão do ventrículo esquerdo, produzindo no peito uma dor intensa, tipo infarto, muitas vezes mortal ; outras desestabilizadora da capacidade mental.

Diria que é a metáfora que mata. Coração partido  refere-se  quase sempre à dor física como resultado de perdas materiais ou imateriais: do emprego,  da liberdade, de um familiar e outras por aí. Um incidente traumatizante desencadeia no cérebro a distribuição de substâncias químicas que enfraquece o miocárdio, músculo que assegura a distribuição sanguínea no corpo. Tende a produzir, por extensão, traumas emocionais, que, por sua vez, podem surgir também, sem dor somática, em um coração “emojizado” com a cor branca, que significa estar em calma e em paz : exterior ou interior – eis aí o problema difícil de ser detectado.

Com a sucessão de quarentenas, o coronavirus 19 tem sido um instrumento avivamento dessas forças e funções potencialmente malignas carregadas pelo corpo humano. A atriz de televisão Ingrid Guimarães, cheia de humor, em pleno desfrute do sucesso, preparava-se para gravar um programa na China, depois nos Estados Unidos e , de repente, se viu imobilizada dentro de casa cozinhando, passando roupa e varrendo casa. “Eu queria matar quem estava super zen”, observou em uma entrevista, “Me considero à deriva”.

Ao longo desse processo tem surgido práticas e frustrações muito estranhas, como fazer sexo virtual ; credos diferentes justificando os efeitos da pandemia como uma provação necessária para alcançar o reino celestial;  a interrupção de pesquisas sobre o prolongamento da vida humana; em tempos de escassez monetária, dinheiro saindo de tudo quanto é lugar;  e até mesmo a perda de interesse pelo o que existe além-túmulo, pregada por aqueles homens de batina preta. Virou tudo coisa meio assombrada, com promessas de um retorno à relações sociais primitivas.

Pode parecer sofismático, mas pesquisas na Inglaterra e nos Estados Unidos estão revelando um aumento superior a 5 % dessa síndrome do coração partido durante a disseminação da pandemia. Quanto mais ela se estende no espaço e prolonga no tempo, mais corações partidos vão aparecendo. Milhares de pessoas reclusas estão sendo aos poucos afetadas pelos efeitos da pandemia, cujos sintomas mais comuns são: a nostalgia, ataques de ansiedade, dor no estômago, perda de apetite, insônia, apatia, náusea, fadiga e depressão crescente. Falar demais no Whats Up é um indicador. Preventivamente, espera-se, já é anunciada uma segunda onda pandêmica, manisfestada no Cazaquistão. A OMS está informando sobre o virus A H1N2 detectado, pela Fiocruz, em porcos no Brasil. Um caso registrado.  É preciso ter cuidado, há quem invista em um mundo pandemicamente sindrômico.

Não ignore, entretanto, o emoji do coração. Não se trata de um simples ícone ou uma metáfora vulgar politizada. Tem algo estranho acontecendo. A pessoa já não consegue descrever a dor física ou expressar o constrangimento patológico. É a linguagem de um silêncio temerário.

·         *Jornalista e professor

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode usar estas tags e atributos HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

*