«

»

mar 07 2020

Coalizão e crise

Artigo do RUY FABIANO

O presidencialismo de coalizão é um sistema de trocas em que as partes não são donas daquilo que estão trocando. Lidam com o que é público, em bases privadas. Os partidos querem cargos e o que mais neles couber; o Executivo quer votos para seguir governando.

É impossível fazê-lo sem o Congresso. Até para que o presidente viaje para o exterior, é preciso o aval do Congresso.

Na história do Brasil, é verdade, não se registrou nenhum veto a viagens presidenciais. Mas o país vive tempos de “nunca antes”, o que estabelece o ambiente presente de “nunca se sabe”.

Frise-se que, quando se fala no Congresso, a referência é à sua porção fisiológica. A sadia existe, é numerosa, mas é desarticulada e/ou inexperiente.

E os fisiológicos, mais escolados, ocupam postos-chaves das duas casas legislativas, a começar pelas presidências da Câmara (Rodrigo Maia) e do Senado (Davi Alcolumbre).

Cabe-lhes formar as comissões técnicas, estabelecer (ou suprimir) prioridades, ainda que contra a maioria.

No Senado, por exemplo, Alcolumbre barrou diversas tentativas de uma CPI do Judiciário, ainda que com as assinaturas necessárias, e engavetou todos os pedidos de impeachment a ministros do STF.

Essa aliança, que envolve o Centrão e partidos de esquerda (PT, PcdoB, PSol etc.), não tem liga ideológica ou doutrinária.

O presidencialismo de coalizão não surgiu agora, mas com o PT chegou ao apogeu.

Mensalão, Petrolão e outros ãos estabeleceram um patamar inédito na história da corrupção não apenas no Brasil, mas no mundo, dando visibilidade a um processo de que a maioria da população desconfiava, mas não sabia exatamente como era.

 

A Lava Jato mostrou.

O berço do presidencialismo de coalizão – e coalizão é um eufemismo para o toma lá dá cá – é a Constituinte de 1988. Ali, cogitava-se de implantar o sistema parlamentarista de governo, e nesse rumo surgiram e foram aprovadas as primeiras propostas.

Na última hora, porém, o governo Sarney decidiu intervir e barrar a mudança. É quando surge o Centrão, beneficiário de uma feroz ação fisiológica por parte do Executivo.

Foram distribuídos canais de rádio e TV aos parlamentares e chefes políticos, numa operação de estado-maior, comandada pelo então ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães.

Disso resultou o sistema disfuncional que aí está, em que o Congresso tem a última palavra, para vetar projetos ou derrubar vetos presidenciais ou mesmo demolir emergências. A palavra final é do Congresso, mas a responsabilidade final é do Executivo.

A crise presente, que promete se estender por tempo indeterminado, deriva do fato de que uma das partes, o Executivo, não compareceu ao escambo de praxe.

Montou um ministério sem consulta aos chefes partidários, repetindo o mesmo procedimento na montagem dos segundo e terceiro escalões.

Estabeleceu assim uma rota de colisão com essa porção do Parlamento, a que o próprio partido pelo qual se elegeu o presidente, o PSL, acabou por aderir. Os parceiros agem juntos, mas não têm os mesmos objetivos.

O pessoal do Centrão não tem diferenças ideológicas com o governo (com nenhum governo, diga-se). Quer apenas acesso aos mecanismos de poder. E a esquerda vê nessa insatisfação um meio de fechar o cerco contra o governo.

Nas palavras do deputado Marcelo Freixo (PSol-RJ), o termo “resistência” já foi superado: a palavra de ordem agora é “destruir o governo”. Nesses termos, não há diálogo.

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode usar estas tags e atributos HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

*