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dez 16 2017

Crônica: VOCÊ JÁ AJUDOU A PUXAR REDE NA BAHIA? É UMA AULA DE PHD

redeRENATO RIELLA

Fui procurado por uma multinacional para fazer evento empresarial em Brasília. Veio um paulista meio jovem, com elegante terno, para almoçar com este baiano – que quase sempre está esporte.

Primeira abordagem dele, inconveniente: “Você dá conta de fazer este evento?” Resposta: “Com as duas mãos amarradas atrás…”

A conversa rolou em tom civilizado, mas o rapaz exagerou um pouco, ao jogar currículo na mesa, mostrando curso no Japão, cargos de alto nível, etc. Não entrei nessa. Evitei falar das três viagens ao Japão, dos cargos de secretário de Estado, de diretor do Senado, etc.

Preferi fazer uma pergunta doida. “Você já puxou rede numa das praias de Salvador?” O cara (que ficou meu amigo depois do ótimo  evento) não entendeu nada.

Expliquei a ele que a puxada de rede é um modelo de administração mais útil do que qualquer curso no Japão. Deve ter pensado: “Muito louco, este baiano!”

Conto essa história para dizer que estou na Bahia. E hoje ajudei a puxar rede, como já fiz muitas vezes. Maior barato! A felicidade reside nas coisas do sempre.

Explico como funciona. De manhã cedo, dois barcos bem compridos saem, cada um com cinco pescadores. São todos quase sempre homens bem pretos, de idade variada.

No mar aberto, estendem a enorme rede de piaçava entre as duas embarcações e navegam, em paralelo, na direção da praia, puxando o que encontram pela frente. Um arrastão do bem!

Quando chegam perto da terra, pulam dos barcos. E começam a puxar a rede com as mãos. É um trabalho braçal que requer muita força.

Então, os baianos diversos, que estão tomando banho de mar, entram com água acima do peito e começam a puxar também. De nada, por nada, apenas para ajudar.

Fiz isso hoje em Piatã, onde estou hospedado na casa do meu irmão Humberto durante poucos dias.

Ajudei a trazer a pesadíssima rede até a praia, junto com dezenas de curiosos que também participaram.

Na areia, vi que a rede estava pesada pela enorme quantidade de algas (sargaço) que arrastou mar adentro. Que pena!

Ficamos cerca de uma hora catando peixes de todo tamanho, para jogar em engradados de plástico. Foi uma pescaria fraca. Um dos homens me explicou que a melhor fase é na Semana Santa. Que bom!

Toda a rotina da pescaria tem hierarquia administrativa desenvolvida durante décadas, que daria lição profunda de vida ao meu amigo paulista.

O grupo de pescadores obedece à coordenação dos mais velhos, que são engraçados e brabos. Berram uns com os outros para não se perder nada, nem mesmo uma pequena pititinga.

Engraçado é que os pescadores mais experientes demonstram tanta autoridade, que todos nós, os ajudantes da puxada de rede, não temos coragem de roubar nem um peixinho. Quem quiser que compre.

Toda a pescaria vai para a venda do dia desse grupo de baianos que mantêm uma tradição centenária nas praias de Salvador.

E assim, fui embora muito feliz.

Revivi décadas de convívio com uma população negra interessantíssima. Este é o povo que fez e faz a Bahia. Meus irmãos!

Por isso consigo surpreender um paulista no seu rico PhD. Não vem que não tem!

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