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mar 04 2014

Diagnóstico do sistema de saúde no brasil

JEAN MARC MOR

Há uma anomalia estrutural no sistema de saúde, tanto público como privado: o pluriemprego médico.

A partir da falência do sistema público, e com a privatização de mais de 50% de todo o sistema de saúde do país, os médicos passaram a trabalhar em três, até quatro locais, diferentes.

Resultado primeiro disso: não há dedicação exclusiva, em nenhum deles. O trabalho é descontinuado, tanto para o médico como para o paciente. Ele pode começar um atendimento, mas não o termina. E nesse meio tempo, o paciente pode rodar na mão de vários médicos.

O custo disso? Incalculável. Com um problema gravíssimo: a evolução do paciente nem sempre é descrita, anotada, registrada, passada, adequadamente.

Temos casos de pacientes que já foram medicados, estão acompanhados, é um retorno, mas o médico que o está vendo pela primeira vez não tem o seu prontuário completo, muito menos a evolução. E então começa do zero.

Por que o médico não preenche corretamente o prontuário? Por que deixa o colega tateando, tentando adivinhar a evolução que o paciente teve?

Com isso, se poderia não só controlar, mas avaliar, o atendimento.

Se faz uma medicina defensiva, quase sempre burra, e com certeza desnecessária.

Médico sabe o que o colega fez. Não há óbito anônimo dentro de um hospital. Mesmo que os registros não sejam adequados. Nós sabemos como entregamos o paciente, o colega sabe como recebeu, independente do prontuário.

O pluriemprego médico acabou com o sistema de saúde público. Este, ao não oferecer infra-estrutura e meios adequados para a boa prática, eliminou a carreira pública, estável, jogou no lixo a existência de um corpo clínico altamente qualificado.

Começou-se a comprar serviços “de alta qualidade” do sistema privado. Então os médicos debandaram para o sistema privado.

Os últimos médicos brasileiros formados em escola públicas de excelência, trabalhando nos hospitais públicos, com carreira no serviço público, hoje são no máximo 40% da categoria. Estão todos na faixa entre 50 e 60 anos.

Os outros 60% de médicos na ativa, com até 40 anos, não gostam do SUS, não dedicam a ele mais do que o tempo que lhe “sobra” em suas outras ocupações.

Se o Estado recuperasse para o sistema público de saúde os cerca de 50 bilhões de reais que gasta com a compra de serviços do sistema privado, teríamos dinheiro para não só recuperar os hospitais públicos, como para pagar salários dignos aos médicos com dedicação exclusiva, com unidades hospitalares atualizadas tecnologicamente.

Não estão nos fornecendo o número exato do gasto do orçamento público de saúde com a compra de serviços privados. É um segredo que ainda não conseguimos penetrar. Quando se tiver esse número, se saberá exatamente o tamanho da privatização do sistema público de saúde.

Quero deixar uma coisa clara: quando vocês veem, admiram, os médicos dos grandes hospitais privados, você estão vendo assalariados muito bem pagos. Mas assalariados.

São submetidos a pressões terríveis para preencher cotas de internação, para internar o maior número de pacientes em sua especialidades. O médico tem que ser uma fonte de renda para o hospital, proporcional ao que lhe pagam.

Por isso a dificuldade dos médicos formados em escolas públicas de excelência, que fizeram a residência em hospitais escola de ponta, em trabalhar nesses grandes hospitais privados. Quando, trabalham, ficam desconfortáveis, muitas vezes, em conflito, com a “atenção” e o “tratamento” que têm que dispensar ao paciente.

Enquanto o país não souber exatamente o que é privado, o que é público, não se saberá quem faz, quem paga, quanto custa.

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