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out 15 2016

EM NOME DA FELICIDADE, MEU PAI AGENOR RECUSOU-SE A SER BILIONÁRIO

Dormi e acordei pensando nos caras bilionários (políticos, empresários e governantes), que jogaram fora uma vida pela postura irresponsável adotada.

Alguns foram – ou são – meus amigos. Como já tive a coragem de dizer, eles me dão tristeza. Devem servir de mau exemplo para os brasileiros mais jovens.

Lembro de contar a história do meu pai, o sábio baiano sem grandes letras Agenor, que decidiu seguir o caminho contrário desses poderosos, recusando-se a ser bilionário.

Nas décadas de 40 a 70, Agenor foi muito forte, dono de um grande mercado atacadista na Cidade Baixa de Salvador – vizinho e concorrente do Paes Mendonça, que depois ficou riquíssimo, no plural e no aumentativo.

Após 1974, quando vim para Brasília, meu pai percebeu que os quatro filhos seguiriam vida própria e nunca teriam o armazém como destino.

Eu detestava o cheiro misturado de sabonete, alho, bacalhau, manteiga e detergente. Cheguei a freqüentar o comércio em algumas férias, mas não conseguia fazer nem um embrulho… Era uma vergonha!

Na época, Paes Mendonça começava a ficar muito rico com o self service, no início da era dos supermercados. Seria o destino natural da empresa Fonseca & Moreira Ltda, cujo sócio majoritário era meu pai.

De repente, aos 66 anos, Agenor decidiu fechar o armazém. Ficou maluco?!!!!!

Aposentou-se, pagou as dívidas, comprou três imóveis, colocou uma grana média na poupança e construiu uma casa grande (porém rústica) num sítio fora de Salvador.

Meu pai e minha mãe (Cecília) abriram mão das relações sociais de ótimo nível e moraram nesse lugar simples até ficarem bem velhinhos.

Ele passava o dia todo de bermuda, chapelão de pescador, sem camisa, com tênis All Star usados (que não me serviam mais), sem cadarço. Tomava excesso de sol, mas não teve câncer.

Vivia com enxada na mão, plantando de tudo. Criava galinhas, perus e muitos cágados soltos. Produzia grande quantidade de ovos caipira, que dava de presente às visitas.

Minha mãe aprendeu a cozinhar com mais de 50 anos (fez este sacrifício por meu pai). Ela vivia sempre com visitas. Os muitos netos passavam as férias nesse sítio e, mais do que primos, eram irmãos.

Nós nos livrávamos dos filhos durante meses, na maior mordomia – e eles, velhos e novos, adoravam (fiz, com meu filho Gil, um vídeo sobre isso, cujas cópias foram distribuídas recentemente a todos).

De tardinha, Agenor deitava numa rede, enquanto Cecília tocava violão ou jogava dominó com os netos. E a sopa esquentava na cozinha.

Meu pai cortava cana em rolete sentado numa escadinha. A gente curtia muuuuuuito este momento adocicado, jogando fora o bagaço num balde para não sujar o pátio.

Um dia, minha mãe estava costurando na varanda. Agenor chegou na frente dela com um facão. Pediu que ficasse imóvel. Com um só golpe ele arrancou a cabeça de uma cobra que preparava o bote, instalada num galho de arbusto atrás dela. Mas tudo bem, tudo bem!

No geral, era mesmo uma festa. Quando os adultos iam para o sítio, um amontoado de colchões no corredor – e muitas risadas, por nada.

Nós, quatro irmãos, nunca tivemos inveja dos filhos de Paes Mendonça, que viveram e vivem bilionários (vi foto de um deles e dei graças a Deus; estou muito melhor. Ufa! Xô, bilhões!)

Quando meu pai fez 80 anos, comemoramos. Ele já estava morando numa ótima casa, em Salvador. Meu irmão Humberto pendurou enorme faixa na rua, saudando Agenor como “o maior torcedor do Bahia”. Verdade pura!

A festa durou todo um domingo. De tardinha, enquanto alguns parentes ainda estavam na piscina de água quentinha, fiquei sentado distante, ao lado de Agenor, com grande intimidade – como nunca tínhamos nos comportado antes.

Tomando a última cerveja, perguntei a ele de forma debochada:

-E aí? Não sente falta daquela época do armazém? Você era muito poderoso. Até Irmã Dulce puxava o seu saco!

Sério, porém suave, meu pai me olhou de uma forma como nunca havia feito – e respondeu:

-Que saudade daquela desgraça! Agora é que eu sou feliz! Pena que esteja acabando – e sorrimos discretamente, cúmplices. Por alguns minutos, curtimos o destino abençoado por Deus (Agenor viveu mais seis ótimos anos, andando firme no calçadão da praia).

Sinto até hoje por não ter dado um abraço forte no sábio de poucas palavras, que em 2016 faria cem anos.

Quantos aos bilionários… (RENATO RIELLA)

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