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out 26 2016

ESTÁ NA HORA DOS MÉDICOS CUBANOS IREM EMBORA

AYLÊ-SALASSIÉ F. QUINTÃO

Dentro de uma semana começa o retorno à Havana de mais de 4.000 cubanos do programa Mais Médicos. Alguns não voltarão porque desertaram, outros porque se casaram ou tiveram filhos por aqui, ganhando com isso a possibilidade de legalizar sua situação no Brasil.

Para substituir os que se vão, Cuba, embora tenha ameaçado retirar todos eles do Brasil em protesto contra o impeachment,  pretende mandar uma nova leva de mais 400 a 500 médicos. Sem um reconhecimento explícito do êxito do programa, o governo brasileiro limita-se a dizer que tem preparado 1.500 profissionais  para ocupar os lugares que ficarem vagos.

Em 2013, o Brasil recebeu perto de 11. 400 mil médicos estrangeiros, em sua maioria cubanos,  mas também bolivianos, peruanos, colombianos, portugueses, espanhóis . Foi um acordo negociado entre os governos Dilma, via Organização Pan-americana de Saúde, e o de Raúl Castro.

Deu conseqüência a um programa, cuja finalidade era expandir o atendimento à saúde à populações desassistidas do interior e das periferias das grandes cidades, com IDH baixo e muito baixo. Envolvia um  universo potencial de 52 milhões de pacientes. Oferecido aos médicos brasileiros, o desinteresse foi grande. Poucos concordaram em participar dele, ganhando o salário de R$ 10,2 mil.

A chegada dos médicos cubanos  – e de outros países – foi um drama, porque a classe médica indiferente reagiu, de repente, com hostilidade para tentar proteger espaços que considerava seu.

Pregava que  os cubanos não tinham formação adequada em medicina e, aproveitando-se das rusgas com a Venezuela,  de onde vinha boa parte dos médicos cubanos, onde eram chamados de“doutores do povo”, tentou estigmatizá-los como “médicos guerrilheiros”. E questionava suas atividades fora dos atendimentos? Constatou-se que eles freqüentavam as festas familiares, iam aos jogos de futebol locais e simplesmente namoravam.

Embora  cerca de 100 cubanos tenha abandonado o programa no Brasil, encerrado o prazo de três anos, muitos haviam se adaptado à vida nas comunidades e recebiam, inclusive, o carinho das populações.

Findo o prazo do contrato com a OPAS, prorrogado por mais três anos, com salário reajustado em 9,5% (R$11.100) e um valor maior retido, no Brasil, nas suas próprias contas, 62%  dos profissionais  manifestaram disposição de permanecer por aqui, acreditando, contudo,  ainda, não terem a necessidade de fazer o chamado “Revalida” – exame que legitima o diploma obtido no exterior. Seria dado prioridade aos que já estão no Brasil, e os já conhecidos. Só iria embora mesmo quem quisesse. Várias prefeituras tomaram a iniciativa de pedir a sua permanência.

Isso gera novas responsabilidades internas. O programa, hoje com 18.840 profissionais, precisa garantir aos municípios equipes de saúde completas. É uma preocupação a mais. A intenção do governo é substituir gradualmente os profissionais estrangeiros por médicos brasileiros. Estima-se que, já em 2017, o número de médicos cubanos participantes do programa sofra uma outra redução, abrindo para os brasileiros  outras 4 mil vagas..

Contudo, exercendo sua atividade no interior do Nordeste, uma médica cubana, que  prefere manter-se no anonimato, salienta que muitos colegas optam por ficar mais no Brasil . Mesmo assim, a renovação dos contratos não dispensa um rearranjo interno. Ao invés de ser um “Mais Médicos”o programa deveria chamar-se “Mais Saúde”, agregando enfermeiros, fisioterapeutas, dentistas (grande o número de desempregados nessas áreas). É preciso  definir e estabelecer padrões de suporte logístico para as equipes.

Dezenas de municípios não cumpriram os compromissos com o programa. Alguns por irregularidades na gestão , outros alegando não ter condições materiais de dar suporte local aos médicos estrangeiros, e outros ainda por pobreza mesmo.   As dificuldades encontradas foram muitas: Postos precariamente equipados, poucos hospitais disponíveis no Norte e Nordeste, recursos técnicos deficientes ou inexistentes, medicamentos escassos e até problemas de segurança pessoal.

De tal forma que Ortelio Jaime Guerra  abandonou a cidade de Pariquera-Açu, no interior de São Paulo, e foi para os Estados Unidos. Ramona Rodriguéz , conseguiu um “refúgio provisório” no Brasil, já que não suportava mais ter de pedir autorização aos supervisores cubanos para tudo que ia fazer. “Quero decidir minha vida”, diz o, médico cubano, N.B., 49 anos, que atende na região Sudeste, e que trabalha há quase 20 anos para Cuba. Só na Venezuela ficou nove anos.

Trata-se de um programa que o país desenvolve junto com suas 30 escolas de Medicina, e que mantém ativa as exportações de serviços de saúde. Atende na África, na América Central e em dois a três países da América do Sul. Absorve anualmente cerca de 3.000 recém formados. O programa dispõe de 70 mil médicos, a maioria clínicos gerais, preocupados com a saúde primária. Emprega muito, mas remunera mal. No entender de Havana, a renovação reduz as chances das permanências. É grande o número do que podem abandonar o programa, se tiverem de retornar de imediato: “Pode escrever”, conclui.

*Jornalista, professor e doutor em História Cultural.

 

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