«

»

out 15 2020

PROFESSOR AGENOR, DEUS LHE HONRE COM TAPETE VERMELHO E ANJOS ESCRAVOS

Dia do Professor.

Quero homenagear um mestre especial – tipo muito diferente, que me moldou.

 

Já escrevi aqui que estudar foi uma grande perda de tempo para mim.

Horas e horas sentado para nada, desenhando, fazendo poesia, roendo unha…

 

Tenho determinada forma de dislexia que me impede de aprender em aula.

Em compensação, aprendo absurdamente sozinho ou em atividade prática.

Maluco, sim, graças a Deus!

 

Por isso virei jornalista. Tudo o que sei aprendi fazendo, errando, fazendo, errando – e fazendo cada vez melhor.

 

Mas, no segundo ano científico, faltando dois anos para o vestibular, apareceu o prof. Agenor na minha vida, no Colégio  Maristas de Salvador (cheio de riquinhos – até um filho direto do Odebrecht era nosso colega). E tinha o filho do Governador Lomanto, etc.

 

Agenor era um tipo muito estranho.

Velho, bem branco, grandalhão, meio careca, cabelos brancos.

Ia sempre de terno branco de linho, desgrenhado (caindo para os lados) e gravata velha.

 

Falava pouco.

Quando a gente entrava na sala, havia 20 longas frases que ele passou meia hora escrevendo com boa caligrafia.

Era a aula.

 

Cada um de nós tinha de analisar a frase, descobrir erros, melhorar o entendimento…num processo de discussão que parecia palavras-cruzadas.

 

Levamos o ano quase todo assim. E pegamos o maior ritmo.

Graças a isso, creio que tirei 10 em Redação no Vestibular de Arquitetura.

E comecei a escrever em jornal aos 17 anos (o professor Agenor me deu régua e compasso).

 

Não tínhamos carinho por ele.

Nem ele por nós. Um cara sem aparente humor. Nem mau humor.

 

Era sempre a maratona das frases.

Algumas vezes, enquanto a gente tentava descobrir os erros na escrita (formávamos grupinhos), ele produzia novas expressões, reabrindo o estudo. E tome ortografia, concordância, sinônimos, etc.

 

Tudo bem, tudo bem…Porém, no fim do ano, perto da prova final, o velho Agenor (mesmo nome do meu pai) tomou um susto.

 

A essas alturas, a gente já sabia que ele era médico de formação – e solteirão, em plena Bahia, na década de 60. Como disse, um sujeito exótico.

 

O professor estava de costas, mão elevada no quadro, apagando uma frase,. De repente, um de nós jogou no quadro-negro, com força, uma bola de papel pequena – mas meio pesada, que quicou e caiu, com pequeno ruído.

 

Não atingiu o professor.

Atingiu somente (e principalmente) a honra dele.

 

Agenor perguntou: “Quem foi?”

Silêncio de buraco negro na galáxia perdida.

 

Sentei sempre na frente. Mal vi a bolota dura bater no quadro. Nem sei de qual direção veio.

 

E ninguém se apresentou. Crime perfeito!

Perdemos o professor para sempre. Foi substituído, depois de investigações, por um qualquer, que fechou o ano de qualquer jeito. A gente não merecia respeito.

 

Da minha parte, ora, já havia aprendido tudo o que tinha de aprender.

E só agora agradeço por isso.

 

Deus lhe proteja, professor Agenor!

E perdoe quem jogou a bola de papel, que hoje deve estar tão velho quanto o velho professor.

A vida passa – a vida paga.

(RENATO RIELLA)

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode usar estas tags e atributos HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

*