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abr 04 2015

A MEMÓRIA DE BRASÍLIA DEVE MUITO A CLEMENTE LUZ

RENATO RIELLA

Clemente Luz, o primeiro jornaleiro de Brasília, chegou aqui em 1958. Era, ao mesmo tempo, um dos primeiros jornalistas da cidade.

Ele está sendo bem focalizado por outro jornalista pioneiro, José Escarlate, no esperado livro “Páginas Viradas”.

Convivi durante três décadas com Clemente, com quem muito aprendi sobre a vida. Um dia, perguntei a ele se a festa de inauguração de Brasília, no dia 21 de abril de 1960, foi bonita. Respondeu em tom bem mineiro:

-Você acredita que esperei tanto e não vi a festa. Não vi nada. Passei 24 horas apagado dentro de um carro, em frente ao Hotel Nacional, bêbado total, e não vi nada. Quando acordei, Brasília já estava mais do que inaugurada.

Clemente foi, para mim, o exemplo de um alcoólatra que um dia resolveu parar de beber – e parou mesmo, vivendo mais de 30 anos sem beber. Por castigo inexplicável, teve dois filhos gêmeos, bonitões, de olhos azuis impactantes, que morreram exilados na sua chácara, de tanto beber.

Clemente foi um escritor tão importante, que o famoso Ziraldo dizia abertamente que resolveu escrever histórias para crianças (Menino Maluquinho!) influenciado pelos livros infantis de Clemente que leu em Minas. Imaginem isso? Cadê essas obras-primas do Clemente, gente?

Escarlate conta, no livro, que Clemente ganhava uns trocados na Brasília em construção, escrevendo cartas que os operários mandavam para a família.

Um peão mandou dizer à família que já havia comprado 200 sacos de cimento para construir sua casinha em Brasília. Quando a mulher e os filhos chegaram, se decepcionaram. Os sacos de cimento, vazios, serviam para cobrir o barraco, no lugar das telhas. Era assim o início de Brasília.

No fim da década de 50 até a década de 70, um momento marcante de Brasília era a crônica diária de Clemente Luz, lida na hora do almoço, na Rádio Nacional, por Clemente Drago. Numa dessas crônicas, em 1974, vi Clemente contar que sua casa na W3 Sul não tinha trinco. Entrava quem queria, sem medo de nada.

Na década de 70, nós, jornalistas mais antigos, éramos muito amigos, mas impiedosos. A gente não respeitava nem os defeitos físicos dos companheiros.

Foi assim com Clemente. Sua mão esquerda não tinha os três dedos do meio, cortados numa usina de cana mineira, e parecia uma garra (mesmo assim, ele era ótimo datilógrafo).

José Natal, jornalista muito gozador, inventou que Clemente foi fazer compras na Feira do Guará. Numa barraca, colocou o polegar e o mindinho que lhe restavam para testar a consistência do queijo de Minas.

Irritado, o vendedor falou; “Furou o queijo. Agora tem de levar”. O cara pensou que os três dedos inexistentes de Clemente estavam enfiados no queijo. Clemente nunca contestou esta história.

Morreu em 1999, feliz da vida, casado com uma professora da Ceilândia, com quem teve um filho mais novo, gente boa.

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