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out 16 2016

ADORO MALUCOS. POR ISSO NÃO ESQUEÇO DO DAMIÃO DO JEGUE

Damião do Jegue foi um personagem folclórico de Brasília na década de 80. A história da cidade quase nada registra sobre isso.

Parece mentira, mas na visita do Papa João Paulo II ao Brasil, em 1980, esse carinha engraçado decidiu, em nome dos nordestinos, dar um jegue de presente ao Santo Padre. E deu!

Damião Galdino da Silva era um motorista do Senado, com bom salário. Nordestino da Paraíba, tinha uma energia doentia, doido de pedra, perfil de obcecado.

Comprou um jumento ao qual deu o nome de Jericar. Adaptou o animal com peças de fusca (buzina, faróis, pisca-pisca, etc). E assim andava impunemente por Brasília. Tosco, assustador, inacreditável! Os muito jovens nem vão acreditar neste meu relato.

Encheu tanto o saco de todo mundo que conseguiu ter um encontro com o Papa, nesta viagem de 1980, aqui em Brasília. Contou depois que João Paulo II agradeceu o presente e lhe deu parabéns pela luta em favor dos nordestinos.

Nós, da imprensa, adoramos os loucos – nossos semelhantes. Mesmo sendo absolutamente ridículo, Damião do Jegue virou personalidade nacional. Infelizmente não consegui foto dele no Google. Sumiu-se!

Quando o Papa foi embora, o Jericar ficou por aqui. Aí Damião endoidou de vez. Meu Deus, como o Papa podia deixar para trás um presente tão importante?

Revoltado, acabou subindo a rampa do Planalto com o jegue e fez outras extravagâncias. Até que conseguiu mandar o jumento para o Vaticano de navio (o pobre do animal deve ter virado presunto nas mesas dos italianos).

Em 1982, dois anos depois do Papa, Damião estava esquecido e insistia em permanecer na mídia. Precisava aparecer!

Na época, como chefe de reportagem do Correio Braziliense, fiquei incomodado com tanta chatura. Um dia, no início da tarde, Damião entrou na redação com mais um manifesto em defesa dos nordestinos.

Chamei ele num canto. Sentamos calmamente para conversar. E defini autoritariamente:

-Amigo Damião, tenho o maior respeito pela sua luta. Poucas pessoas no Brasil sabem usar a imprensa como você. Mas não posso mais publicar seus manifestos.

Lembrei a ele que a jogada do jegue foi genial, marketing puro, mas ele teria de criar algo fantástico para divulgar seu novo protesto. E aí dei a grande sugestão:

-Por exemplo, suba no pau da Bandeira, em frente ao Palácio do Planalto, em cima, pra valer. De lá, bem no alto, leia mil vezes este manifesto. Aí lhe garanto uma foto de primeira página.

Damião saiu da redação meio tonto. Foi a última vez que nos vimos. Quando deu quatro horas da tarde, o nosso repórter no Palácio do Planalto ligou alucinado (será que foi o Jozafá?):

-Porra, manda um fotógrafo depressa. Damião do Jegue subiu no pau da Bandeira! (Como vocês sabem, os repórteres são bastante delicados nas suas cobranças!)

Foi feita a foto. E assim o nordestino alucinado saiu mais uma vez com destaque na primeira página do Correio Braziliense – pela última vez.

Pouco tempo depois, soube que o meu amigo do jegue se aposentou e foi morar na Paraíba. Mais algum tempo, foi assassinado com seis tiros por dois motoqueiros. Apuração feita, teria sido um crime passional.

E Damião do Jegue ficou esquecido pra sempre – menos por mim, que adoro malucos.

A propósito, ele foi tão importante que gerou uma música do Rei do Baião, Luiz Gonzaga, que ilustra esta matéria. Não é pouca coisa, não, pessoal! (RENATO RIELLA)

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