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maio 03 2014

ARTIGO: A CRISE NO SISTEMA PRISIONAL E A REALIMENTAÇÃO DAS CRISES SOCIAIS

IBANEIS ROCHA

“Se quiser conhecer o grau de civilidade de determinada sociedade, visite suas prisões”. O aforismo relativamente conhecido, se tomado como regra, coloca o Brasil na lista de países menos civilizados do mundo. Recentemente, imagens gravadas pelos próprios presos no interior de presídios – ou seriam masmorras? – e divulgadas fora dos muros do cárcere chocaram não só a sociedade brasileira, como também representantes organismos internacionais.

As cenas levaram o Conselho Federal da OAB a convocar as seccionais e iniciar um mutirão de fiscalização nos presídios de todo o país. As comissões de Direitos Humanos e de Ciências Criminais da Seccional do Distrito Federal iniciaram, então, uma série de visitas ao Complexo Penitenciário da Papuda. O quadro encontrado não foi animador: superlotação, falta de agentes penitenciários em número suficiente, problemas estruturais, falta de atendimento jurídico aos presos do Centro de Detenção Provisória, entre outros problemas.

PRINCÍPIO É A RESSOCIALIZAÇÃO

O princípio motor da prisão é a tentativa de ressocialização do cidadão que cometeu um crime. Hoje, contudo, as celas se transformaram em salas de aula para criminosos irrecuperáveis, muitas vezes presos junto com outras pessoas que, com o direcionamento correto, não voltariam a quebraR as regras que regem a nossa vida pacífica em sociedade.

Não por outro motivo o advogado Evandro Lins e Silva, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, provocava as pessoas que se mostravam espantadas com a violência cometidas nas freqüentes rebeliões. “O senhor deveria se espantar é com o fato de esses presos não fazerem mais rebeliões. Pense bem: é possível um ser humano se adaptar a essas condições?”, repetia, sempre que era possível.

Tratava-se de um alerta necessário para provocar uma reflexão. No Brasil, há quase 550 mil presos, entre aqueles encarcerados com condenação definitiva e presos provisórios. Contudo, a atual estrutura de presídios e penitenciárias comporta perto de 320 mil pessoas. O déficit carcerário de 230 mil vagas revela a tragédia e a situação caótica de um sistema que opera muito acima do seu limite. O resultado não pode ser outro que não as rebeliões sangrentas que presenciamos de tempos em tempos.

FORAM 769 MORTES EM PRESÍDIOS

Levantamento feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público há não muito tempo revelou que, entre fevereiro de 2012 e março de 2013, foram registradas 121 rebeliões e 769 mortes em 1.598 estabelecimentos prisionais país afora. Registros de lesões corporais foram quase três mil. Outros dados, da ONG Conectas Direitos Humanos, mostram que a população carcerária do país cresceu 380% nos últimos 20 anos. Em 1997, de acordo com dados do Ministério da Justiça, a população carcerária era de 170 mil presos.

O Brasil é o quarto país em população carcerária. Os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar, seguido de China e Rússia. Os três primeiros países, contudo, não apresentam problemas de superlotação em seus estabelecimentos prisionais. No vergonhoso quesito da superpopulação carcerária o país ocupa o sétimo lugar. Os seis primeiros são ocupados por Haiti, Filipinas, Venezuela, Quênia, Irã e Paquistão.

O problema, contudo, pode ser equacionado com o uso de boas ideias na execução penal. Primeiro, deixando de encarcerar as pessoas que não apresentam, de fato, perigo à sociedade. A cadeia, como regra, deve ser reservada àqueles que, nas ruas, podem causar danos efetivos contra seus semelhantes. Ou seja, é necessário investir em penas alternativas.

Mas há outras saídas. Uma delas é trabalhar de verdade na reabilitação dos presos, permitindo e estimulando que eles trabalhem. Um exemplo de sucesso vem da Itália. A fabricação do vinho Fuggiasco, produzido por detentos de Velletri, prisão localizada a poucos quilômetros de Roma. Fuggiasco significa “fugitivo” em italiano. Além de recuperar, ensina o bom humor. Outro rótulo produzido pelos presos era batizado de “As sete voltas da chave”, expressão idiomática que na língua italiana significa “ir preso” – algo a ver com o nosso “ver o sol nascer quadrado”.

HÁ MODELOS DE EFICIÊNCIA

Aqui mesmo no Brasil há presídios que são modelos de eficiência. São poucos, é verdade, mas neles se sabe exatamente quantos estão presos, há acomodações dignas e as pessoas não se matam. Ou seja, os bons exemplos estão aí. Não é preciso inventar a roda, basta copiá-la para fazer nossa sociedade rodar em direção ao mundo civilizado.

Só assim será possível enfrentar aquele que, na verdade, é o índice a ser combatido: o da reincidência. Um levantamento feito pela Unicef mostra que o índice de presos que voltam a cometer crimes no Brasil, quando estão nas ruas, é de quase 70%. Isso mostra que passou a hora de levar a ressocialização a sério.

 Ibaneis Rocha é advogado, presidente do Conselho Seccional do Distrito Federal da OAB

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