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out 02 2014

ARTIGO: ELEIÇÕES E REFORMA TRIBUTÁRIA

EVERARDO MACIEL

A campanha eleitoral continua lamentável. O que prevalece é propaganda, cujo produto final poderia ser indistintamente, política, iogurte ou sabonete.

As mensagens dos candidatos às eleições proporcionais correspondem, tanto quanto em anos anteriores, a uma impressionante coleção de sandices, exibições grotescas e arroubos mitômanos. Se a razão fosse eleitora votaria em branco.

As eleições majoritárias, salvo em raros momentos,são um festival de fantasias delirantes e difamações.

A campanha abomina a discussão de temas complexos, mesmo que sejam cruciais para o futuro do País, preferindo questões de apelo midiático ou demagógico. Nada disso, contudo, é surpreendente, considerado nosso grau de maturidade política.

Reforma tributária é um desses temas complexos. Todos proclamam sua necessidade imediata, porém de forma tão abstrata que o conteúdo se ajusta a qualquer proposta.

Reformar significa mover-se desde uma situação vigente até um modelo idealizado. Dito assim, reforma implica a existência de um paradigma e uma trajetória para sua consecução, que não são necessariamente únicos.

Reforma, qualquer que seja ela, não é um conceito autoexplicativo, pois requer que sejam definidos o paradigma e a trajetória. Não existe, portanto, a reforma tributária, mas uma grande variedade de reformas tributárias, que podem, em tese, ser desastrosas.

Porquanto respondem a desejos de mudanças, as reformas, ainda que abstratas, exercem um enorme fascínio sobre as pessoas Além disso, há o recorrente discurso dos tecnocratas dos organismos internacionais que pregam a necessidade de todas as reformas, na pretensão de sujeitar o país ao que está estabelecido em seus manuais de trabalho, sem dar a menor importância as peculiaridades locais.

Como bandeira política no Brasil, a reforma tributária ganhou destaque em dois momentos de nossa história recente.

No governo João Goulart (setembro de 1961 – março de 1964), depois do insucesso de Plano Trienal de Desenvolvimento (1963-1965) optou-se pelo discurso das “reformas de base”. Esse mal alinhavado conjunto de ideias incluía a reforma tributária.

Em setembro de 1963 foi constituída, no Ministério da Fazenda, uma comissão para cuidar da reforma administrativa daquele órgão, que findou sendo o surpreendente embrião do audacioso projeto de reforma da tributação do consumo de 1965.

Outro momento foi a Constituinte de 1988. Nesse caso, a reforma tributária foi essencialmente um movimento em direção a uma maior descentralização fiscal. A União absteve-se de participar ativamente dos debates, com graves repercussões sobre as finanças nacionais.

Reforma tributária é tema permanente em todos os países. A despeito das questões envolvidas, é matéria com elevada sensibilidade política. Por conseguinte, sua condução requer estratégia e habilidade negocial.

Sistemas tributários não são softwares de prateleira. Tampouco, são meras construções de especialistas. Decorrem de tensões políticas e justamente por isso são intrinsecamente imperfeitos.

O imposto sobre valor agregado (IVA), sufragado por mais de 150 países, não vigora nos Estados Unidos, porque sua adoção implicaria graves perturbações nas relações federativas.

No Brasil,a desproporcional expansão das contribuições sociais resultou de sucessivosaumentos na partilha do IR e do IPI com Estados e Municípios. Essas contribuições, hoje, pouco se assemelham às de outros países, guardando maior proximidade com o conceito de impostos.

Os modelos tributários são dinâmicos, porque sujeitos à obsolescência, em virtude de novas circunstâncias econômicas ou sociais. Daí o entendimento de que reforma tributária é um processo e não um evento.

Desde a reforma de 1965, todas as emendas constitucionais que cuidaram da matéria tributária concorreram para a perda de qualidade do sistema. Representam, portanto, uma perigosa via para implementar mudanças tributárias. Sempre que possível deve-se optar por soluções infraconstitucionais.

Não convém acumular propostas, tendo como pretexto uma reforma abrangente. Essa é a forma segura de maximizar as tensões políticas que levam a impasses. O antônimo de abrangente não é pífio. Poderia ser cirúrgico.

Deve-se ter muito cuidado com a tentação de transportar acriticamente modelos de um país para outro, sem ter em conta que eles têm história e, em consequência, reproduzem situações específicas. A experiência internacional pode, no máximo, servir como inspiração para construir soluções locais.

Em um próximo artigo, cuidarei de proposições concretas de reforma tributária.

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