ANDRE GUSTAVO STUMPF
Economistas de alto coturno concordam que existem quatro tipos de países: desenvolvidos, subdesenvolvidos ou emergentes, Japão e Argentina.
As duas primeiras categorias são autoexplicativas. O Japão existe por causa dos japoneses, cuidadosos, planejadores, civilizados, objetivos, cumpridores de seus deveres, obedientes ao poder público e reverentes a seu Imperador.
O país saiu da Segunda Guerra em 1945 com seu território devastado. Sofreu dois ataques atômicos. As cidades de Hiroshima e Nagasaki foram dissolvidas. Tóquio incendiada. Mas reagiu, persistiu, trabalhou, criou e alcançou a posição de referência mundial.
O conjunto de quatro pequenas ilhas produz o terceiro maior produto interno bruto do mundo, depois dos Estados Unidos e da China.
Não há explicação apenas econômica para explicar o Japão. Há um conjunto de circunstâncias culturais que colocam o país sempre na frente das inovações e do progresso. É caso único.
A Argentina é exatamente o contrário. Seu território tem tudo o que é importante para o mundo. Terra plana capaz de produzir trigo, soja e outras preciosidades. Carne de primeira linha. Petróleo, indústria desenvolvida e população com elevado nível de escolaridade.
O país já frequentou, no início do século 20, o seleto clube das maiores economias do mundo. Desandou por causa da política. Argentino que estivesse passando fome poderia entrar em restaurante, comer e mandar a conta para o governo, que pagava. Populismo é isso aí.
A história da Argentina é diferente da brasileira. No século 19 sua política oficial foi matar índios. Dizimaram quase todos. A Patagônia é hoje uma região de migrantes muitos europeus e poucos locais que se instalaram naquelas planícies sem fim. Mas encontrar o índio pata gone (pé grande) só em fotografia. Os nativos da Terra do Fogo, que faziam grandes fogueiras para se aquecer, também não existem mais.
O capitão Robert FitzRoy, comandante do HMS Beagle na expedição de Charles Darwin à América do Sul, levou alguns deles para Londres. Anos depois os reintegrou na região. Retornaram à condução de indígenas. Sumiram. Fogueiras nunca mais.
No início do século passado, foi realizado um plebiscito na Argentina para definir o país oficialmente como bilingue, falante em espanhol e italiano. O idioma espanhol venceu por pequena vantagem.
Este país magnífico, com população educada, persiste sendo nostálgico de suas origens e incapaz de se organizar do ponto de vista econômico. Não é por acaso que os nossos vizinhos do Sul desenvolveram uma das melhores escolas de psicanálise do planeta. Referência internacional.
Evita Peron, ao fim da Segunda Guerra, foi a Paris, com enorme séquito de auxiliares e concedeu empréstimo de US$20 milhões para auxiliar a reconstrução da França. O máximo de arrogância.
Este país com tantas oportunidades está praticamente sem moeda há alguns anos. Argentinos compraram dólares o tempo todo. O peso não tem valor efetivo. Ninguém acredita nele.
As reservas internacionais são baixas e o governo está pedindo reescalonamento dos pagamentos de empréstimo de US$ 50 bilhões contratado junto ao Fundo Monetário Interacional. É um cenário muito ruim. E não tem nada de inédito.
Os argentinos não se acertam entre si nas últimas décadas. Já chegaram perto da guerra contra o Chile numa disputa pelo domínio do canal de Beagle, contra o Brasil por causa de Itaipu e finalmente encontraram o inimigo nas ilhas Falklands/Malvinas. Levaram uma surra dos ingleses.
É um país muito doido. Nem a psicanálise consegue explicar.
A eventual quebra da economia argentina – que acontece de tempos em tempos – afeta o Brasil.
Há um século, a Argentina era a maior economia do continente. Hoje é um terço da brasileira.
Indústrias estão instaladas nos dois lados da fronteira. Os brasileiros estão vivendo suas agruras nos últimos quatro ou cinco anos. A recuperação é lenta. Os primeiros sinais positivos apareceram neste mês.
O exemplo argentino é eloquente. Indica o que deve e não deve ser feito em matéria de políticas públicas. Bravatas, arrogância, populismo, falta de projeto e inexistência de horizontes alcançáveis colocaram o país vizinho nesta curiosa e desconfortável categoria proposta por alguns economistas.
Não há explicação razoável para que a Argentina esteja na situação que está. É exemplo vivo de uma desintegração difícil de ser explicada. Tragédias acontecem.