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nov 23 2018

ARTIGO: Hegemonia

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, jornalista.

Houve um tempo em Brasília em que era possível trocar ideias sem xingar o adversário.

Um grupo, nos anos oitenta, constituído de advogados de bom nome, juristas, jornalistas, entre eles o saudoso Carlos Castello Branco, se reunia no extinto bar do Florentino.

Almoços semanais que se iniciavam no início da tarde e terminavam de noite. As discussões, temperadas por vinhos de ótima procedência, eram monumentais e profundas.

Durante quase um mês o grupo debateu um singelo tema: quem foi o alemão que mais influenciou o mundo moderno. O vitorioso foi Martinho Lutero, aquele que contestou a Igreja Católica, em 1517, com suas 95 teses, colocadas na porta da Igreja de Wittenberg.

O movimento protestante provocou diversas guerras religiosas na Europa. Muita gente fugiu dos conflitos e procurou paz no novo mundo.

As ideias liberais dos franceses frutificaram primeiro nas treze colônias na América do Norte. Os fundadores daquele país criaram um sistema em que não existia um Rei, não havia aristocracia e todos seriam iguais perante a lei. Além disto, não haveria bispos, santos, nem intermediários entre o homem e Deus.

O país seria baseado na ação do individuo, na força, inteligência e capacidade de criar. E toda ênfase foi dada ao esforço de educação.

A resposta da Igreja Católica Romana ocorreu com o movimento chamado de contrarreforma, que se iniciou no Concílio de Trento, de 1546. Os religiosos decidiram retomar as ações do Tribunal do Santo Ofício, estabelecer o index de livros proibidos, o incentivo a catequese dos povos do Novo Mundo e a criação de novas ordens religiosas dentre elas a Companhia de Jesus.

Os jesuítas construíram o Brasil, junto com as autoridades portuguesas. Eles assumiram a função de agentes da Inquisição. O tribunal da Inquisição na América portuguesa ficava em Lisboa. Na América espanhola se situava em Lima, no Peru.

Os Estados Unidos resultam da reforma protestante. O Brasil é filho da contrarreforma católica. A diferença é estrutural e profunda. Além disto, a população é constituída de europeu branco, negro africano, mestiço, estrangeiro de outras origens e indígenas.

O colonizador português quase não trouxe mulheres. Vieram muito poucas para o Brasil e as que aqui chegaram tinham objetivo definido de servir aos seus senhores, lhes dar filhos e proteger a família, além de ajudar a implantar as diretrizes católicas.

Os fidalgos não gostavam de trabalhar. Madames, nem pensar. A situação fica mais complicada quando se percebe que muitos dos brancos que chegaram aqui eram judeus convertidos.

Não há, portanto, na política brasileira um grupo hegemônico. Inexiste ideia nítida de como deve ser o país. Aqui, o Estado surgiu antes da sociedade.

As pessoas mais importantes do reino eram o representante do Rei, o governador geral, o Bispo e o coletor de impostos. Isso foi assim até que o Marques de Pombal expulsou os jesuítas de Portugal de todas as colônias.

Os ingleses ajudaram D. João VI a fugir de Napoleão e também fomentaram revoluções para dividir o império espanhol. Bolívar iniciou sua luta de independência ao lado de mercenários veteranos das guerras napoleônicas.

Essa história desembarca nos dias de hoje na eleição de Jair Bolsonaro, conservador na política, liberal na economia e apoiado de maneira ostensiva pelas denominações neopentecostais, que são relacionadas com o já citado Martinho Lutero.

O novo presidente começou a trabalhar antes de tomar posse. Ele refaz as prioridades nacionais. Mas persiste a indefinição nacional sobre como o país deve se organizar de maneira definitiva. Isso ocasiona a dança de ministérios.

Nas administrações petistas, o Brasil teve perfil de centro-esquerda na política interna e nas relações internacionais. Agora mudou tudo: o confronto com os cubanos no programa Mais Médicos é autoexplicativo da trombada ideológica.

O Brasil não está passando por uma simples mudança de governo. Está em processo uma modificação de estilo e de objetivos. No centro deste movimento emerge o papel do Exército na história do Brasil.

Os generais que cercaram o novo presidente deverão dar o norte e justificar as principais ações de médio e curto prazo. Eles gostam de ter metas e ações estratégicas.

O Partido dos Trabalhadores teve nos últimos anos algo em torno de 30% dos eleitores do Brasil. Tentou ser hegemônico, mas se lambuzou todo no poder. Os outros 70%, ou a maior parcela deles, decidiram que o país deveria caminhar para outro rumo, com outros objetivos. É o que está acontecendo.

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