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fev 04 2018

ARTIGO: O país avacalhado

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, jornalista

Algumas ações de segurança pública tangenciam o ridículo. No Rio de Janeiro, o seminário “O futuro começa hoje, ações da PMERJ – 2018” foi realizado na semana passada, quando os tiroteios interrompiam o trânsito em diversos locais da cidade, especialmente na linha amarela.

Os doutos debatedores discutiram a perspectiva da segurança pública, enquanto o presente estava escancarado na frente das autoridades. Patético.

Clima de guerra. Armamento pesado. Os cidadãos, perplexos, não sabiam para onde correr. O Estado não lhes dá apoio, nem perspectiva.

O ministro da Defesa, Raul Jungmann disse, com sinceridade, que o modelo de segurança do país está falido porque as ações do crime organizado se nacionalizaram e ultrapassaram fronteiras.

Suas palavras revelam o desastre das administrações nacionais e estaduais nos últimos anos. Nada do que tem ocorrido aconteceu por obra do acaso. O tráfico se estabeleceu passo a passo. O movimento ocorreu à luz do dia nas últimas décadas.

De repente, autoridades descobrem a necessidade de contar com defesa aérea eficiente, policiar rodovias e criar a Polícia Federal Marítima.

Ainda há tempo para ação mais dura. O Brasil possui três vizinhos que são conhecidos como os maiores produtores e exportadores de cocaína: Bolívia, Colômbia e Peru. A Venezuela protege o tráfico.

A droga precisa passar pelo território brasileiro para chegar à Europa, ou seguir para a Guiana e de lá para a Holanda. São rotas previsíveis.

Acontece que o brasileiro passou a ser importante consumidor da droga. O mercado nacional se expandiu. Em tempo de carnaval, os controladores das bocas de fumo ficam indóceis. Turistas nacionais e estrangeiros multiplicam o mercado. O resultado é a guerra entre os grupos rivais nas disputas pelos melhores pontos de venda.

Ano passado, ocorreu coisa semelhante na Rocinha durante o Rock in Rio. Impressionante é que os governos não consigam sair da teoria para a prática. Já se sabe que as policias são corruptas, foram devassadas pelos traficantes. Não apenas no Rio, mas em todo o país.

As sucessivas rebeliões em presídios demonstram que o poder não controla nada. Traficantes presos em Rondônia coordenam ações na zona sul carioca. Grupos que controlam prisões no norte do país se envolveram em política e financiaram até candidatos a governos de estado.

O Governo Federal enviou tropas militares para garantir a lei em onze Estados. Não resultou em nada de positivo.

Promover intervenção das forças armadas é decisão perigosa. Os soldados são usualmente conscritos, jovens, que não possuem nenhuma experiência para tratar dos males urbanos. Eles ficam expostos à doce conversa dos traficantes. O governo pode perder mais do que ganhar com essas decisões.

A operação de Forças Armadas precisa se voltar para a defesa do território nacional, que está inteiramente exposto a todo tipo de tráfico ou contrabando. As fronteiras secas são abertas, com policiamento realizado por corajosos militares e policiais federais que trabalham isolados no meio da selva.

Basta um passo para entrar no Brasil. E não há nenhuma proteção pelo mar. A costa brasileira é imensa. Se ocorrer invasão estrangeira, o governo de Brasília vai levar algum tempo para entender o que aconteceu.

A violência nas principais cidades do Brasil é assunto recorrente. Os governos nos últimos anos se especializaram em destruir a máquina administrativa nacional. Roubaram e desviaram o que puderam. O brasileiro se desmoralizou. Não há mais certo e errado.

Os advogados de Lula argumentam, a sério, que ele não pode ser preso, nem impedido de se candidatar porque se trata de ex-presidente da República. Sugerem que as leis não o atingem. O desrespeito à lei começa no nível mais elevado, chega lá embaixo como completa bagunça. Toda a administração está contaminada. Inclusive a polícia.

A quase ministra Cristiane Brasil contribuiu para a devastação da imagem nacional. Apareceu ao lado de gogoboys, numa lancha, possivelmente na região de Angra dos Reis, em plena farra, e defendeu suas razões para assumir o Ministério do Trabalho. Tudo errado, hora, local e ambiente.

Mas ela não se incomoda. É o retrato do que a política fez com o Brasil. Avacalhou o país.

A história nacional é uma sucessão de golpes, contra golpes, revoluções e mortes. Sangue para todo lado. Esta é a tradição.

Há muitos séculos, o general romano Sérvio Galba disse dos lusitanos: “Há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar”. Ele anteviu a crise brasileira.

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