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jan 26 2018

ARTIGO: O vento mudou

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF

Três jovens juízes decidiram em Porto Alegre, com incrível coragem para enfrentar o assunto, o capítulo inicial da complicada eleição de 2018.

Será difícil que o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva consiga registrar sua candidatura porque, a partir daquele julgamento, os rigores da Lei da Ficha Limpa o alcançam.

Haverá retórica, ameaças e recursos judiciais. Mas o tribunal já se pronunciou e o fez por unanimidade. Tornou escandalosamente claro o entendimento de que, de fato, no caso do tríplex, do Guarujá, houve corrupção e lavagem de dinheiro.

O sistema corrupto vinha caindo aos pedaços. As prisões e as sentenças ocorreram em sequência aleatória, sem racionalidade. Os fatos foram aparecendo e os juízes começaram a formular suas decisões.AND

Os principais executivos dos governos petistas já estavam sentenciados e alguns deles, presos. Agora, o ex-presidente da República foi, oficialmente, consagrado à categoria de condenado em segunda instância. Está às vésperas de ser preso, porque sua sentença foi elevada para 12 anos e um mês.

Talvez, neste momento de reflexão profunda, o partido se reencontre com sua verdade dos anos 70, quando pregava a política pura, sem acordos, nem conluios com banqueiros e empresários.

Muita água passou debaixo do moinho petista a partir de Constituição de 1988 que, aliás, o partido se recusou a assinar. Quem o fez, em seu nome, foi expulso da agremiação. Era o purismo levado a extremos.

Aquela agremiação plena de grandes ideais, ideologias e propostas modernas para a construção de um mundo melhor se perdeu no meio do caminho. Dinheiro na mão é vendaval. No caso petista, adubou parcerias, enriqueceu lideranças. E destruiu sua história.

Resta agora esperar, com ansiedade e um pingo de esperança, a publicação do acórdão da decisão da 8ª turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Juízes não costumam mudar de opinião depois de encerrado o julgamento. Podem fazê-lo até a publicação do resultado do feito. É raro, contudo.

Essa esperança ilumina as escassas possibilidades dos petistas. A eles resta apenas o embargo de declaração, que é medida de abrangência muito limitada, destinada a reparar somente algum equívoco na formulação da sentença. Não modifica o mérito da decisão.
Em bom português, acabou. Esta ação Lula perdeu. Existem outras seis. Ele corre o risco de ser preso em pouco tempo, porque a pena aplicada excede a 8 anos. Quando a punição é menor que aquele limite, o Judiciário entende que o réu pode se defender em liberdade. Caso contrário, a prisão não costuma demorar.

A liderança do Partido dos Trabalhadores terá o tempo necessário para chorar suas mágoas e praguejar contra as instituições burguesas. A presidente Gleicy Hoffmann, também acusada de crimes financeiros, é protegida pelo foro privilegiado.

Mas o tempo corre. Será necessário apresentar um candidato para ocupar a faixa deixada por Lula. Jacques Wagner ou Ciro Gomes? Esta é a primeira questão- e fundamental. A campanha vai começar depois do carnaval.

Os petistas aproveitaram bem os dias que antecederam o julgamento de Porto Alegre. Transformaram o episódio em fato que justificou caminhadas, carreatas, protestos, discursos, e palanques.

Anteciparam a campanha presidencial de Lula. Jogaram o jogo. Tentaram constranger os juízes. Não deu certo, mas foi uma tentativa inteligente. Se tivesse sido inocentado, Lula sairia com enorme vantagem sobre os adversários porque seu nome esteve nos noticiários quase todos os dias nas últimas semanas.

Agora será necessário começar tudo de novo. Em outras bases, outros objetivos e outros personagens.

É importante perceber que o mercado antecipou o resultado. A Bolsa de Valores subiu e o dólar caiu. A partir de agora, os candidatos vão surgir. Serão muitos, porque as referências partidárias desapareceram na geleia em que se transformou a política brasileira. Mas a República está doente.

Em menos de trinta anos, dois presidentes sofreram impeachment durante exercício do mandato, e um ex-presidente foi condenado a 12 anos na prisão.

A partir de agora, dirigentes de empresas públicas vão pensar várias vezes antes de cometer algum ilícito. E os políticos que tenham olhos de ver deverão perceber que até eles podem ir para o xilindró. Nenhum dos presidentes militares ousou colocar um ex-presidente da República na cadeia.

A trinca de juízes civis de Porto Alegre abriu o caminho para que isso aconteça. Mudança de bom tamanho. É bom ficar atento. O vento mudou.

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