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mar 09 2018

ARTIGO: Tempos estranhos

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, jornalista

É muito difícil compreender o Brasil. Nos anos oitenta, prosperou nos Estados Unidos um ramo do estudo de ciências políticas preenchido exclusivamente por brasilianistas. Fizeram sucesso lá e aqui. O grupo tentou explicar como agem os protagonistas na política nacional.

A melhor história do Exército brasileiro foi escrita no período pelo brazilianist Frank McCann (Soldados da Pátria, Companhia das Letras). Ele volta e meia vem ao Brasil para rever amigos. E se espanta com o que encontra em Brasília e outras capitais. Continua difícil prever o futuro do país, cuja característica básica é a instabilidade.

O ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, deu sua contribuição para impedir que o país conseguisse desfrutar de alguns dias de tranquilidade na área da política. Ele determinou a quebra do sigilo bancário do presidente da República. É a primeira vez que este fato ocorre com um personagem que está no pleno exercício de sua atividade presidencial.

Em tempos recentes, os ministros falam fora dos autos, discutem em público, trocam ofensas, acusações, ironias e gostam de frequentar manchetes de jornal. São tempos estranhos.

Além disto, há o caso Lula. O Supremo decidiu em outubro de 2016, por 6 a 5, que réus condenados em segunda instância devem começar a cumprir pena imediatamente. Não é necessário aguardar o feito transitar em julgado, o que, usualmente, consome muitos anos.

O ex-presidente perdeu em todas as instâncias. No juiz singular em Curitiba, no TRF-4 em Porto Alegre e no STJ, em Brasília. Nos colegiados, as decisões foram unânimes. Se fosse outra pessoa, já estaria a caminho do xilindró. Mas é o Lula.

Essa circunstância coloca a ministra Carmen Lucia contra a parede. Não faz muito sentido o tribunal, que é Supremo, rever decisão tomada há dois anos por causa da identidade do réu. Mas a pressão política é muito forte.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, acompanhada por companheiras de Legislativo, acampou no gabinete da presidente da STF até ser por ela recebida. Mineira, Carmen ouviu longos e tediosos discursos, não disse uma palavra, agradeceu e fechou a porta.

Alguns de seus colegas de colegiado querem enfrentar o problema. Ela está sozinha na resistência. Os advogados do réu também pressionam.

Eles, aliás, visitaram cada um dos cinco ministros do STJ para entregar memorial, explicar as razões do ex-presidente e conversar sobre o processo. É tradicional em Brasília. Os advogados foram muito bem recebidos pelos ministros. Mas de nada adiantou o périplo diplomático. Foram cinco votos contra. Unanimidade.

As decisões da justiça já colocaram Lula na condição de ficha suja. É impossível, segundo a lei, registrar sua candidatura. Além disto, ele está ameaçado de ir para a prisão nas próximas semanas. O prazo é exíguo.

A política brasileira é feita de negociações. E concessões. Não será surpresa se ocorrer decisão intermediária. Ele não será preso agora, mas também não será candidato. Pode acontecer.

O momento atual da política brasileira é das autoridades do Judiciário. Estão em grande evidência. Os militares também estão chegando. E os candidatos às eleições de outubro começam a aparecer. Há um consenso de que Lula não conseguirá ser candidato.

Os candidatos começam a colocar a candidatura na rua. Até o ministro Henrique Meirelles se aventurou a falar sobre o preço do litro da gasolina. O candidato ficou mais forte que o ministro.

Rodrigo Maia colocou o bloco na rua, Geraldo Alckmin aquece suas turbinas e Ciro Gomes, do PDT, percebe algum espaço no eleitorado petista para seu prometido voo em direção ao Planalto.

A quebra de sigilo bancário do presidente Temer provocou efeito colateral: abateu qualquer veleidade de reeleição.

Até agora as pesquisas apontam apenas Jair Bolsonaro como candidato viável, se Lula não entrar na disputa. Se vai se consolidar, ninguém sabe. Aliás, não é possível antecipar nada, mesmo porque já se apresentam mais de vinte candidatos.

O presidente encontrou na segurança pública o assunto para continuar a frequentar o noticiário. A economia, que apresenta bons resultados, saiu de cena. Os empresários também estão à cata do nome que os represente.

Os próximos tempos serão curiosos. E ainda teremos uma Copa do Mundo no meio do ano, antes das eleições.

Temer deverá completar seu mandato. O problema, agora, é enxergar além do horizonte. Difícil antecipar resultados das eleições, se os candidatos não são conhecidos. E o cenário político nacional continua instável.

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