«

»

dez 19 2016

CONFESSO! COMO JORNALISTA, JÁ COMETI ERROS MONUMENTAIS, ERROS MONSTRUOSOS!

Hoje, quase velho, dou graças a Deus por não ser médico, pois teria matado muitos pacientes.

Felizmente sou jornalista. Nas cagadas brabas que fiz no exercício desta profissão maluca, tenho certeza que não matei ninguém. Mas…

Vou contar duas histórias que destaco em muitas palestras para estudantes, iniciantes e estagiários, advertindo-os.

Para começar, lembro do final da década de 60. Comecei a trabalhar no jornal Diário de Notícias de Salvador com 17 anos. Era um rapaz alfabetizado, tinha boa aparência (nerd total) e batia bem numa máquina de escrever. Mas zero de experiência!

Fazia a princípio tarefas mecânicas na redação. Uma dessas era passar a limpo, numa lauda de papel, o resultado da Loteria Federal, que depois o jornal publicava numa seção de primeira página.

Um dia de manhã, entrou no jornal um típico casal baiano. Homem e mulher mulatos, recheados de peso, classe bem média.

Falaram de canto com o velho redator-chefe, Clementino, que antipatizava de graça comigo.

De repente, Clementino chegou perto da minha mesinha de redator, puxou duas cadeiras, instalou o casal de feições fechadas, e disse assim:

-Os senhores precisam falar com este rapaz. Ele é o responsável!
Meu Deus! Este pobre redator que vos fala fez a monstruosidade de errar, na primeira página de um jornal baiano, o resultado do primeiro prêmio da Loteria Federal.

Tentem visualizar o drama.

O homem, quando me viu sentadinho, na minha fragilidade quase de criança, meio se desarmou. Mas mulher, meus amigos e amigas, é bicho impiedoso. Mulher se diz um ser machucado por milhões de anos de exploração, etc. Ela queria me esquartejar com o alicate de unha!

Muito tempo depois, já consigo dar muita risada quando lembro da história. Foi assim a tragédia:

O pai de família baiano comprou o jornal de manhã. Começou a comemorar a fortuna desde a banca de revista. Milhões, milhões, milhões, milhões…

Em casa, chamou vizinhos, sogra e sogro, cachorro e papagaio, numa comemoração que teve até foguete. Não podia haver dúvida. Estava ali – porra!!! – na primeira página de um jornal centenário dos Diários Associados.

Mas era mentira! Erro sacana de um jornalista nojento, que nem
sabia copiar números. E que não tinha como indenizar o casal, claro!

Perguntem o que fiz? Perguntem se chorei? Perguntem se eles me bateram?

A mulher me mataria facilmente, mas o rapaz mulatão de trio elétrico, cara de torcedor fanático do meu Bahia, me olhou com desprezo – e disse:

-Vamos embora. Não adianta perder tempo com este aí….

Só faltou gritar assim: “Gentalha, gentalha, gentalha!”

NÃO ME EMENDEI: ERREI DE NOVO

Pensam que me emendei?

Dez anos depois, em Brasília, todos me reconheciam como bom jornalista. Tanto que tinha três empregos.

Pela manhã, editava diversas páginas de adiantamento do Correio Braziliense. À tarde, fingia que trabalhava numa assessoria. E à noite era Editor de Polícia do Diário de Brasília. Me matava de trabalhar! E vocês, aí, que ainda estão me lendo, reclamam da vida atual!

O chefãozão do Correio era Ari Cunha. Para acabar de me matar, me deu a honra de ser o chefe de redação da edição dominical. Quer dizer, ainda trabalhava durante todo o domingo…

Num dia, deixei na mesa do Ari uma chamada de primeira página com o “aumento do salário mínimo”, que havia sido anunciado pela manhã.

Naquela época, o governo divulgava cinco mínimos diferentes, com valores proporcionais à condição econômica de cada região.

No outro dia, o Correio deu de manchete de primeira página o valor
do salário mínimo do Piauí, como se fosse o de Brasília, que era bem maior. Meu Deus, que cagada deste baiano, que mais uma vez copiou o número errado!!!!

Quando cheguei na redação, o clima estava horrível, mas ninguém me acusou.

Perto do meio-dia, o chefãozão Ari Cunha aproximou-se solenemente da minha mesa e falou forte, em pé, de braços cruzados, para todo mundo ouvir:

-O que se faz com um redator que erra o salário mínimo na primeira
página de um jornal importante como o Correio Braziliense? Me diga, me diga.. O que se faz?

Pausa geral. Todo mundo interrompeu tudo. O culpado precisava pedir desculpas, chorar, reconhecer a culpa, se rasgar, comer uma lauda de papel, qualquer coisa, etc.

Permaneci humildemente sentado. Cinco segundos depois, respondi num tom que pudesse ser bem escutado por todos:

-Só tem uma coisa a se fazer com esta pessoa: DEMITIR!!!!!

Cara! Todo mundo parou de respirar. Da minha parte, em três segundos, pensei que Ari fosse bater na minha cabeça. Sabem qual foi a reação do grande cearense? Ele falou bem forte a frase seguinte:

-NÃO FODE, BAIANO! – e deu meia volta.

Nunca mais ninguém falou do meu erro.

Concluí, de forma precipitada e presunçosa: estou forte pra cacete!

Fiquei mais algum tempo por lá, trabalhando cada vez mais – e errando menos.

Sem mágoas! (RENATO RIELLA)

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode usar estas tags e atributos HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

*