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maio 29 2019

E SE DEUS EXISTIR? A MINHA ÚLTIMA CONVERSA COM JOÃO ARNOLFO

Um amigo de décadas internou-se com problema gravíssimo no pâncreas. Visitei longamente ele, em novembro do ano passado. Hoje, faleceu.

João Arnolfo, jornalista muito prestigiado do setor econômico, ficou alguns meses no Hospital Brasília, onde tomou morfina e muitas drogas pesadas, que lhe davam alucinações.

Ateu declarado, vinha enfrentando o câncer com bravura, mas há seis meses surtou no quarto – talvez por efeito dos remédios.

Desacatou a mulher e familiares, tocou alarme, convocou batalhão de enfermeiras. Quase foi amarrado.

No auge, pediu aos berros para chamarem o Ministério Público (Querem me matar!!!!!!!”)

E completou:
—“Se não conseguirem o Ministério Público, chamem o Riella!!!”.

Pronto! Virei última instância.

A mulher dele, no stress, me ligou pedindo socorro. Assim, passei a tarde com Arnolfo no hospital.

Incrível, mas meu amigo tentava se fortalecer para fazer uma cirurgia dificílima. E até andou comigo no corredor, embora estivesse com apenas 55 quilos. Os médicos não perdiam a esperança, mas na prática lhe davam somente três meses de vida.

Nos últimos anos, nós dois almoçamos dezenas de vezes no restaurante Flor de Lótus. Arnolfo ficava perplexo com a minha fé persistente em Deus diante de tantas situações difíceis e tristes que tive (e tenho) na vida.

Nas conversas, eu passava sempre o meu lema: “Deus sabe o que faz”. E sempre concluo dizendo que Ele sabe mesmo. E como sabe…

Meu amigo doente confirmou que me chamou, durante o surto, por me ver sempre controlado, nas mais difíceis situações (fizemos o Caso Mário Eugênio juntos).

Ele disse que leu estudos mostrando um fenômeno psicológico chamado de “stress de cuidador”, que atinge os parentes dos doentes. Mas a mim, não! Realmente, não! Imagine se vou me abalar com os dramas…

Fiquei agradecido pela observação, pois não tinha este diagnóstico sobre mim mesmo. E discutimos no hospital a questão da vida após a morte.

No auge da doença, o ateísmo do velho jornalista se reduziu. Ele estava meio balançado por possível fé. Usei de didática.

-Pense bem. A gente gostaria de saber se existe água na Lua. Seria ótimo ver de perto um disco-voador. A mesma coisa lhe digo sobre Deus. Já pensou, se ele existir mesmo!

E completei: “Conceda a Deus o benefício da dúvida”.

Quase desenganado, câncer no pâncreas, com apenas três meses de vida, fiz Arnolfo dar a maior gargalhada, diante da minha bem humorada argumentação.

Na saída, alegremente, me deu o último abraço e comentou: “Esta é boa…vou dar o benefício da dúvida. Quem sabe, né!”

Viveu seis meses mais (em vez de três). Saiu do hospital algumas vezes. Fez testamento. Conviveu com alguns amigos. E foi-se.

Há uma semana estava até bem animado, mas teve metástase.

Vou rezar pra João Arnolfo Carvalho hoje. Um cara legal!

Quem sabe a gente não se encontra por aí!! Afinal, Deus sabe o que faz. Alguma dúvida?

(RENATO RIELLA)

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