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mar 03 2018

HISTÓRIA REAL: Você já passou uma hora trancado dentro de uma lixeira de ministério, à noite?

download (3)Vou contar mais uma história incrível e engraçada – quase trágica.

Aconteceu na década de 70, quando fui durante alguns anos editor do Correio Braziliense, trabalhando à noite.

Um dia, enquanto batucava textos na máquina de escrever, ouvia a conversa da mesa ao lado (os jornalistas, malucos que são, conseguem escrever e conversar, ouvir, etc).

O colega Marco Aurélio Nunes Pereira, o Marquinho, falava sobre um leilão de terrenos da Terracap. O GDF estava vendendo uma quadra inteira do Lago Sul, novinha, a QI 17.

Pedi informações. Com a maior boa vontade, Marquinho me ensinou a entrar no leilão. Nunca tinha feito isso na vida.

No domingo, fui até a QI 17. Todas as ruas estavam asfaltadas, à espera de compradores, ainda sem casas. Arquiteto de formação que sou, escolhi bem cinco terrenos estratégicos.

Peguei o edital na Terracap, levantei uma poupança razoável que tinha. Paguei a caução relativa a esses cinco lotes. Com isso, participei da concorrência.

Imaginem que um cara virgem em matéria de leilão foi abençoado por Deus. Consegui ganhar três das cinco tentativas. Fiz a burrice de abandonar dois. Fiquei apenas com um, no conjunto 13. Hoje poderia ter um patrimônio legal no Lago Sul.

Tinha prazo de 36 meses para pagar o lote e construir uma pequena casa, a ser ampliada ao longo dos anos – maior sacrifício! E assim foi feito.

Quando o dinheiro acabou, me ensinaram a buscar empréstimo no BRB, o Banco de Brasília. Foram meses de trabalho, com monstruosa documentação, até que recebi o contrato assinado pelo presidente do banco.

Seria uma grana que daria para comprar todo o material de construção, pagando em 20 anos com juros baixíssimos (o antigo BNH!).

De noite, meu trabalho era no Correio Braziliense. De dia, dois turnos no Ministério do Interior. Uma jornada de 15 a 16 horas diárias, para um cara com menos de 30 anos.

Busquei o contrato no BRB para reconhecer minha firma em cartório, o que fiz na hora do almoço. Trabalhei o dia inteiro de paletó no ministério. Às 18 horas, peguei o envelope branco e fui até o banheiro, onde tirei paletó e gravata. Lavei bem o rosto suado. E segui para o terceiro turno, no jornal.

Saí do Correio depois das 22h e dei carona ao diagramador Hammed Seabra (hoje amigo aqui no Face).

Deixei o colega na Rodoviária e segui em direção à Catedral, quando vi de longe o prédio do então Ministério do Interior (o primeiro da Esplanada, na época recém-inaugurado).

De repente, gritei comigo mesmo: “Meu Deus, cadê o envelope?” Lembrei que, quando fui lavar o rosto no banheiro do Minter, depositei o envelope branco em cima da lata de lixo metálica, grande e alta – e fui embora.

Suei, tremi e quase morri. Segui direto para o prédio, cerca de 11 horas da noite. Me identifiquei com o guardinha. Ele disse que a luz do edifício estava desligada e teríamos de subir sete andares no escuro. Fomos em frente – com uma lanterna, claro.

Nada de envelope!. O guarda disse que poderia estar na lixeira, no térreo. Desci voando. Ele abriu a porta de ferro do cômodo, que parece um quartinho.

A lixeira no térreo é enorme. Cerca de dois metros de largura. Cada andar joga, lá de cima, o lixo do dia. Havia uma pequena montanha suja de tudo, inclusive papel higiênico, lanches, etc.

O guarda se assustou (até tremeu) quando me ouviu dizer: “Vou mergulhar aí!”

Não deu outra. Durante quase uma hora tomei banho do lixo mais nojento possível. E – é claro – não achei o envelope. Felizmente nunca vomito, o que aumentaria a sujeira…

Desistindo, dei cerca de R$ 50,00 de gorjeta ao pobre guardinha e sentei numa pedra para chorar baixinho.

Cheguei em casa bastante tarde, sem fazer barulho. Joguei sapato, meias e roupa no lixo. Tomei um banho com escova e deitei para dormir, chorando novamente, baixinho.

Dia seguinte, a vida recomeça. Vesti outro terno e cheguei tarde no Ministério – triste, triste, triste! Não falei do meu drama com ninguém. Pânico interior!

Trabalhei mecanicamente, quando a secretária berrou: “Riella, o Valdomiro pede a sua presença na sala dele com urgência”.

Ora, Valdomiro era o importante diretor de Administração do Minter, com quem convivi poucas vezes.

Desci quatro andares pela escada, para melhorar meu astral, e entrei na sala. Bem vestido, sentado com ares de chefão, ele disse com amplo sorriso:

-Amigo Renato, estou passando por graves necessidades. Preciso que você me empreste pelo menos uns R$ 500 mil” – e abriu-se numa gargalhada escandalosa.

Depois disso, literalmente, Valdomiro jogou no meu peito o envelope branco.

Meu Deus, tenho mesmo anjo-da-guarda, mas como dou trabalho para este carinha eterno!

Chorei de novo, sentado de costas para Valdomiro. Ele explicou que a faxineira viu o envelope na lata de lixo, abriu, entendeu e decidiu repassar à administração do prédio (lastimo hoje, pois nem sei quem foi ela).

Assim, construí a casa que criou meus filhos. E até hoje agradeço a Deus. Amplio sempre a minha fé quando lembro deste caso. (RENATO RIELLA)    

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