RENATO RIELLA
Nas viagens internacionais, principalmente, sou um extraterrestre. Tenho comportamento de ET, surpreendendo os habitantes locais e me surpreendendo.
Foi assim na primeira ida a Buenos Aires. Pacote básico para casal, com tango, visita ao estádio do Maradona e ao velho teatro, curtição na ruazinha dos bares (em frente ao cemitério), nas comerciais tradicionais e no antigo porto. Tudo ótimo! Meu Deus, seis dias sem celular!
Calma! Já vai começar a história engraçada.
Numa noite sem programa, fomos de táxi à “melhor casa de carnes do mundo”. Na Argentina, há milhares com este título. É assustador! Passam bifões com 3cm de altura…
O garçom aproximou-se. Márcia estava muito feliz. Deu um sorriso cinematográfico e falou para o cara, com naturalidade: “Ele não come carne”. No Brasil, isso é fácil de se resolver.
Realmente, há quase 40 anos praticamente não como produtos animais. O que, além de saudável, me parece normal.
O garçom estava vestido de preto, impecável. Gordinho, 50 anos, cabelos engomados. Argentino desde a unha do pé.
De repente, o indivíduo perdeu a classe. Deu um passo para trás, abriu os braços, e esbravejou, falando alto:
-“COMO NÃO COME CARNE?”
Fervi a cabeça, levantei e bunda da cadeira, e ataquei em péssimo português:
-“NÃO COMO CARNE, PORRA!
Antes que corresse sangue humano na churrascaria, o garçom retomou a postura, aproximou-se de mim e perguntou baixinho:
-“Tomas vinho?”.
Assustado e constrangido, respondi também baixinho, balançando a cabeça: “Sim! Sim! Sim!”
Vocês estão pensando que a história acaba aqui? Coitados, não conhecem os argentinos. O carinha distanciou-se de novo, abriu novamente os braços e, num gesto teatral, disse sorrindo, alto:
-“NEM TUDO ESTÁ PERDIDO! NEM TUDO ESTÁ PERDIDO!
Logo, Márcia chamou o cara de lado e, em ótimo portunhol, negociou um filé de peixe na chapa para mim. Pensam que acabou?
O peixe veio notoriamente frito em chapa de carne, quase escorrendo sangue. Fiz de conta que belisquei, encharcando-me de vinho. O pior é que, além de extraterrestre, sou também baiano e só gosto de cerveja. Detesto vinho. Mas evitei a segunda briga.
Na saída, tomei um ótimo sorvete de qualquer coisa. E seguimos adiante, felizes. Como profetizou o garçom, nesta vida sempre diga que “nem tudo está perdido”.