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mar 08 2014

TER MÃE É MUITO IMPORTANTE. EU TIVE UMA MÃE PRETA

RENATO RIELLA

No Dia das Mulheres, uma data artificialmente valorizada, devia ter pensado em fantásticas representantes do sexo feminino, sem as quais não vivo, mas me concentrarei em Maria da Hora dos Santos, minha mãe preta.

Como nada acontece por acaso, lembrei dela nas últimas horas, depois que vi ontem o filme Mordomo da Casa Branca, na qual o personagem principal tem a mesma postura.

Por que, nesta vida, a cor da pele pode nos levar a um relacionamento diferente com outro ser humano do qual gostamos muito?

Certamente, Maria – como era sempre chamada por nós – foi a principal responsável por toda a minha formação humana, embora mal soubesse escrever, andasse quase todo o tempo descalça, falasse relativamente pouco e trabalhasse durante todo o dia para uma grande família de brancos.

Sua vida daria um filme, como registro da pós-escravatura em Salvador, Bahia. Por isso, escrevo estas linhas. Quem tiver saco de ler (tentarei resumir), entenderá muita coisa deste Brasil de contrastes.

UM MÊS ANTES DO MEU NASCIMENTO

Maria foi trabalhar na casa de Agenor e Cecília, meus pais, um mês antes do meu nascimento, em 1949. Minha mãe, com 19 anos, era quase uma criança e teve, na prática, o papel de irmã mais velha para mim, que fui criado por uma mãe preta. Meu pai era 12 anos mais velho, importante comerciante.

Moramos em casas diversas, a princípio bem simples, subindo de nível, até uma casa de classe A, na Pituba de Salvador. Em todo este tempo, Maria ajudou a cuidar dos quatro filhos, mas tinha ligação extrema comigo.

Me moldou na sua forma, de modo a não reclamar de nada, nunca ficar doente, acordar cedo e dormir tarde, buscar atividades incansáveis durante o dia, nunca gritar com ninguém, sem perder a agressividade e força quando necessário.

Ela sabia da minha resistência violenta ao bulling escolar, quando necessário. Era a minha médica em situações diversas, aplicando compressas, me obrigando a tomar chás desconhecidos, me segurando em momentos de vômito infantil e oferecendo sempre alimentos saudáveis e variados – bem baianos.

Depois de trabalhar mais de 30 anos com a gente, apareceu com um câncer de pulmão repentino e surpreendente. Foi internada de emergência no Hospital Arestides Maltez, especializado, e morreu em dois ou três dias.

Consegui visitá-la a tempo no hospital. Estava sentada, respirando com balão. Falamos durante algumas horas. Depois disso, me convenceu a ir para a casa de minha irmã, Vera. Prometi voltar no dia seguinte, mas à noite uma ligação informou: “Morreu”.

De manhã bem cedo, chorando muito, ajudei a levar o corpo dela para o necrotério, onde participei diretamente da arrumação do cadáver para o enterro.

Só lembrava de quando, já trabalhando num jornal baiano, eu voltava para casa perto da meia-noite. Ela estava sempre me esperando na copa para dizer que havia guardado na geladeira um doce de leite, pinha, pamonha ou mesmo meus bolos preferidos.

Falávamos do meu dia, como se fosse algo muito importante, e íamos dormir conscientes de que havia coisas necessárias a fazer amanhã.

Fomos muito amigos, numa fase em que ninguém precisava pronunciar a burra fórmula cinematográfica do I Love You para demonstrar amor.

Hoje, sinto muito remorso de não ter dado mais atenção a ela. Por isso a referência ao filme do Mordomo da Casa Branca.

Noutra esfera espiritual, espero encontrar Maria da Hora dos Santos de igual para igual, como mãe sem cor. Só mãe!

2 comentários

  1. paulo

    comprei 3 rosas e dei para minhas filhas priscila, susana e raquel. durante minha vida conheci mulheres não no sentido amoroso, mas amigas como: maria soares, conselheira, mãe de muitos mesmo nunca tendo filhos, braço direito para muita gente. minhas irmãs creusa, teka neia e lelei são exemplos de vida e minha doce e especial minha mãe, que pessoa maravilhosa

    1. Riella

      A CBF anunciou que vai antecipar a eleição para abril, com posse depois da Copa.

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