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maio 08 2014

ISSO MESMO: APESAR DE ANTIPÁTICAS, AS COTAS SÃO INDISPENSÁVEIS

PLAUTO HENRY

Essa questão das cotas é uma grande vitória do povo brasileiro.

Pelo simples fato de os negros serem inseridos com maior intensidade em todo o processo produtivo em nossa sociedade, via cotas, talvez seus netos, no futuro próximo, não terão aquela percepção tão comum ao nosso racismo brasileiro, de achar que um negro em restaurante só pode ser garçom ou manobrista.

A grande sacada das cotas é permitir que um número significativo de negros se qualifiquem e possam permear com maior frequência todos os segmentos da nossa sociedade.

Quem não conhece o universo do outro dificilmente pode interagir e tende a reforçar estereótipos.

Fico imaginando a cabeça de uma criança branca do Lago Sul. Geralmente sua história é: babá negra, jardineiro negro, empregada negra, motorista negro.

A sua referência psicológica será sempre que o negro foi feito apenas para servir (fruto do seu atraso, devido à tragédia da escravidão).

Mesmo que a pessoa não seja racista, ficará difícil não pensar diferente.

Agora, se o pediatra é negro, o advogado é negro, a professora de balé é negra, o professor de reforço é negro, seguramente o inconsciente dessa criança vai gritar que os negros são iguais.

O problema é quando essa criança se torna juíza ou jornalista, por exemplo. Na hora do julgamento ou na emissão de opinião, o que muitas vezes emerge é o seu histórico de convivência e referências.

Isso tem se tornado um drama para os negros. Basta ver o tanto de julgamento em que a injúria se sobrepõe ao racismo. Fruto desse poder que está na mão dos brancos.

Os brancos estão inseridos em todos os campos de poder. Estou errado? Então, o que vale é a voz do branco.

O negro, por ser negro, não tem como reverberar sua opinião. Porque não tem canais que permitam emitir seus dramas e dores.

O negro conseguiu ainda construir uma rede de influência atávica como os brancos. E quando tem, é minimalista, restrita ao seu percentual de influência, que é quase zero.

Então, quando os negros questionam a necessidade das cotas é porque o ferro quente queima a sua carne.

Por mais que os brancos tenham uma opinião sobre o tema, jamais terão a profundidade nem a sensação do negro.

Pelo simples fato de que não são negros e não conhecem intensamente o que é ser negro numa sociedade hipócrita igual à brasileira.

Acho que é a mesma sensação de indignação que o Nelson Piquet tem quando escuta o Galvão Bueno dando opinião sobre as corridas de fórmula 1. Algo que Nelson conhece muito.

O negro é a mesma coisa. Ele pensa:

“Porra! Esse cara fala que é contra as cotas, mas será que ele já foi preterido numa oportunidade de emprego? Será que ele é percebido em apenas dois segundos? Será que seu salário tem como base a cor? Será que ele é sempre o primeiro a ser abordado pela polícia? Será que ele mata três leões por dia em vez de um?”

A briga dos negros não é por bolsa-família. A sua luta é apenas estudar. Ajudar o Brasil a crescer. E as cotas têm isso de bom.

As cotas servem para diminuir o fosso que foi cavado pelo próprio Estado e a sociedade branca (escravidão). É inequívoco o efeito desse fosso sobre os negros até hoje.

Os negros querem apenas concorrer com igualdade de condições. É preciso correr atrás do tempo perdido impulsionado pela discriminação. Isso, para indignação dos bem nascidos, é um horror.

Muitos dizem: não tive nada a ver com escravidão. Pode até não ter tido. Mas são cúmplices e beneficiários silenciosos. A partir do momento que não têm concorrentes à altura devido ao processo da escravidão, são sim beneficiários desse processo.

Por isso, foi uma grande vitória quando se percebeu que as cotas são necessárias, apesar de serem antipáticas.

Hoje, não vejo instrumento mais eficaz para começar a incluir de forma mais efetiva esses irmãos que tanto fazem e tanto fizeram pelo nosso país.

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