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set 02 2014

O DILEMA DA UCRÂNIA

CARLOS FINO (Site Portugal Digital)

Morreu cedo a esperança de um começo de solução no conflito da Ucrânia suscitada pelo encontro da semana passada em Minsk, entre os presidentes Pútin e Poroshenko.

Russos e ucranianos conseguiram sentar-se à mesma mesa, mas aparentemente nenhum deles perdeu ainda a esperança de impor ao outro uma solução militar.

Durante largas semanas, os ucranianos estiveram em vantagem, obrigando os pró-russos a recuar. Porém, com a ajuda de “voluntários” russos (de 3 a 4 mil, segundo o próprio líder separatista), nos últimos dias a sorte das armas mudou: os rebeldes lançaram uma contra-ofensiva bem sucedida, recapturando ou passando a controlar novas cidades.

No clima de continuada efervescência patriótica que se vive em Kíev, alimentado pelo confronto ainda que indireto com a Rússia, e com eleições parlamentares marcadas para Outubro, Poroshenko não está nas melhores condições para negociar. Qualquer concessão aos separatistas agora poderia ser politicamente fatal para o seu partido.

Mas, quanto mais tempo passa e o conflito se prolonga sem fim à vista, somando perdas em vidas e material, mais a Ucrânia pode perder, uma vez que já se percebeu que a sua estratégia de envolver a União Europeia e a NATO/OTAN no conflito tem os seus limites.

A NATO/OTAN pode protestar ou até projetar novas bases junto à Rússia e a União Europeia ameaçar com mais sanções. Mas o apetite para morrer pela Ucrânia continua ausente.

Por isso, se Kíev não conseguir rapidamente restabelecer o seu controle sobre as regiões pró-russas do leste e sul do país, poderemos assistir, como insinuou Pútin no passado fim de semana, à reconstituição da chamada NOVA RÚSSIA – uma vasta região que em tempos fez parte do Império russo, como aliás praticamente toda a Ucrânia, com exceção da parte ocidental (LVIV), que foi polaca e católica.

Apoiando a revolta por forma a impedir a derrota militar dos separatistas, o Kremlin – se abstrairmos da crítica a que está sujeito na Europa e nos EUA – encontra-se numa posição relativamente confortável.

Se houver negociações, garante aos autonomistas um lugar à mesa com vista à elaboração de uma nova Constituição, de tipo federal, em que seriam reconhecidos largos direitos às regiões.

Se a guerra se prolongar, pode chegar ao ponto de reconhecer (de jure, ou de facto) a existência de uma entidade autónoma quase-independente, no leste e sul do país.

O dilema que se coloca ao governo central ucraniano é, portanto, o de saber se vale a pena insistir numa completa solução militar (que a Rússia lhe continuará a recusar até onde puder) ou se inicia conversações com os rebeldes enquanto estes não consolidam mais as suas posições, como de facto já está a acontecer com o controlo que conseguiram obter a semana passada de uma importante faixa ao longo do mar de Azov.

Até agora, sob inspiração (pressão) norte-americana, a UE tem apostado mais numa solução militar do que em negociações. Obama sempre legitimou a operação militar ucraniana “anti-terrorista” no leste e não se ouvem apelos a uma solução negociada.

Mas os interesses europeus vão mais no sentido de uma compaginação com os russos, como lembrou Merkel há dias.

A não ser que se aposte num confronto total com a Rússia, de consequências inimagináveis.

Até porque nada garante que, a prazo, uma hipotética mudança de líder no Kremlin garantiria um poder mais maleável para com os interesses ocidentais.

O bom senso aconselha, portanto, a que se siga a velha recomendação de Garrincha: falar com os russos.

* Carlos Fino, jornalista português, foi enviado especial e correspondente internacional da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, e correspondente de guerra em diversos conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Albânia, Oriente Médio e Iraque. Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012), cidade onde atualmente reside.

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