Na minha longa vida, já me emocionei muito com a solidariedade entre os mais pobres. Eles dividem a última xícara de farinha..
Tenho um amigo chamado Vanderson, parecido com o lutador Mick Tison, mas pacífico. Há anos, o dono do prédio do cartório da 505 Sul deixou que ele instalasse uma cadeira de engraxate no térreo – e vai ficando.
Há algum tempo, dando um trato no meu sapato muito velho, ele disse que teria uma filha. Semanas depois, perguntei e soube…meu Deus! A mulher de Vanderson morreu no parto!
O amigo deu uma risadinha e disse, para me consolar: “Minha mãe assumiu a garota!”
Meses depois, sentado na cadeira de rua, enquanto passavam dezenas de conhecidos, percebi Vanderson muito triste.
Ele sabe que devoro suas informações sobre o hospital do Gama, sobre o administrador regional, sobre a avaliação do governador, etc, mas estava sem falar. É meu grande informante sobre o DF.
Insisti e o engraxate contou: “Cortaram minha luz. Preciso de R$ 40,00 para religar”. Logo, pensei na mãe de Vanderson tomando conta do bebê no escuro. Triste paisagem!
Acabado o ótimo serviço, dei a ele os R$ 40,00. Disse que abateria a dívida com outras engraxadas (claro que esqueci de cobrar depois).
Ontem, meu sapato estava pior do que nunca. Desde o ano passado, nada de graxa. Enquanto Vanderson fazia a maquiagem no pé, perguntei:
-Cadê o negão!.
Negão era um homem de sessenta anos, que tinha uma banca de frutas ao lado do engraxate, completa. Foi talvez o cara mais preto que conheci. Forte, alegre, animado, vestia sempre camisas brilhantes de seda, com cores fortes, parecendo personagem de escola de samba. Um tipo marcante.
-O negão morreu de repente!
Tomei um susto ao ouvir a informação. Prático que sou, perguntei: “E quem está tomando conta da banca?”
Vanderson apontou o vendedor de capas de celulares, ao lado, e disse: “Somos nós!”
-Mas vocês arrendaram a banca?
-Não! Claro que não! Estamos fazendo isso para ajudar a família do negão.
Paguei R$ 10,00 e saí agradecendo a lição de vida.
Como disse, os mais pobres são os mais solidários. E Deus salve o negão, tão do bem que ele era! (RENATO RIELLA)