A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a condenação do deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF) pelo crime de concussão (uso do cargo para obter vantagem indevida) em maio de 2017. A informação, no entanto, somente veio à tona neste mês, após o relator do caso, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, ter autorizado a quebra do sigilo da ação penal contra o deputado.
O político é acusado pela PGR de ter exigido propina de uma cooperativa de micro-ônibus no Distrito Federal, quando ocupou o cargo de secretário de Transporte do DF, na gestão de José Roberto Arruda. Além de Fraga, a PGR também denunciou por concussão Afonso Andrade de Moura, motorista do parlamentar.
Ao G1, o advogado de Alberto Fraga, Thiago Righi, afirmou que “todas as provas dos autos demonstraram que inexiste qualquer ato ilícito praticado pelo deputado conforme o Ministério Público aduz. Nós estamos confiantes na Justiça e temos certeza de que o processo vai mostrar a absolvição do deputado”.
Em uma nota, mandada horas depois ao G1, o deputado afirma que os áudios foram gravados, originalmente, por ele mesmo e diz que é acusado pelo MP sem provas. “Ao receber as denúncias, chamei os presidentes das cooperativas para esclarecimentos e, ao tomar conhecimento dos fatos, exonerei os envolvidos.”
A reportagem tenta contato com a defesa de Moura. No processo, o advogado dele questionou a atuação do STF: “Seja reconhecida a incompetência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar o feito em relação a sua suposta conduta. Pois, não se demonstrou nos autos, qual seria o motivo a justificar a exceção, para não aplicação da regra esculpida em nossa Carta Magna quanto aos Processos Originários”.
No documento, consta ainda que o Ministério Público Federal (MPF) pediu que novas provas fossem incluídas no caso. A solicitação foi feita depois que a TV Globo divulgou uma gravação, obtida com exclusividade, mostrando o deputado supostamente discutindo propina.
Depois da divulgação da reportagem, o MPF cobrou que os áudios fossem enviados pela Justiça do Distrito Federal e compartilhados como prova do inquérito. Os áudios também seriam utilizados em uma outra ação contra o deputado, em que ele também é acusado de receber propina relacionada ao transporte público – mas de outra cooperativa.
“Consoante recente e amplamente divulgado na mídia local, João Alberto Fraga Silva foi flagrado em conversas telefônicas interceptadas mediante autorização judicial, dialogando acerca dos valores recebidos e a receber em decorrência dos fatos versados nos presentes autos”, escreveu o ministro Alexandre de Moraes.
As mídias revelam uma conversa do político com representantes de cooperativas de micro-ônibus e foram gravadas em 2009. No diálogo, Fraga questiona interlocutores sobre o valor dos repasses. Segundo o Ministério Público, essas cifras se referem a propina paga por cooperativas, no processo de substituição das vans por micro-ônibus.
Em uma das gravações, segundo o MP, Alberto Fraga indaga porque estaria recebendo valores menores que seu assessor à época, o subsecretário Júlio Urnau (veja abaixo). O interlocutor é identificado pelo Ministério Público como Jefferson Magrão, representante do político junto às cooperativas. A reportagem não conseguiu contato com as defesas de Urnau e Magrão.
Alberto Fraga: Agora tá explicado, as coisas acontecendo e eu com cara de babaca aqui, entendeu? E o cara, você veja, o cara ganhou com isso aí, o que é que acontece? Ele, ele ganhou muito mais dinheiro, vamos dizer assim, do que o próprio secretário.
Jefferson Magrão: Deitou e rolou.
Fraga: Deitou e rolou. É por isso que o Arruda, constantemente, me dá uma ‘espetada’.
Na época da divulgação das mídias, o advogado de Fraga no processo, Everardo Alves Ribeiro, afirmou que as gravações não tratam de propina. Segundo ele, os áudios mostram o atual deputado federal indignado com as suspeitas de que o secretário-adjunto Urnau estivesse recebendo dinheiro das cooperativas.
Em entrevista à equipe da TV Globo, o deputado federal Alberto Fraga disse que nunca recebeu propina. “Todo mundo sabe o meu jeito de ser, não sou bandido, detesto bandido e jamais iria permitir esse tipo de coisa na minha secretaria”, apontou.
Após o pedido do Ministério Público, os áudios em questão chegaram em um pendrive, protegido por senha. Em 23 de fevereiro deste ano, a PGR pediu que o relator do caso, Alexandre de Moraes, determinasse à Justiça do DF o envio dos códigos necessários para acessar as mídias.
O ofício com a ordem foi enviado em 5 de março deste ano. No entanto, na semana passada, a PGR informou ao STF que ainda não havia recebido as senhas.
O ministro Alexandre Moraes, então, deu um prazo de 15 dias para que a Justiça do DF encaminhe não apenas as senhas dos áudios, como todos os volumes da ação penal, inclusive as gravações e transcrições das comunicações interceptadas.
Como os áudios foram solicitados em duas ações penais diferentes, na outra a Procuradoria-Geral da República pediu que fossem enviados todos os documentos do caso na Justiça do DF, incluindo transcrições dos áudios que não puderam ser ouvidos. O ministro aceitou o pedido. A ação está agora na Procuradoria, aguardando manifestação sobre as novas provas.
A operação Régin foi deflagrada pelo Ministério Público e pela Polícia Civil do DF em 2011. Citados no inquérito, Fraga, Urnau e o ex-assessor José Geraldo de Oliveira Melo foram acusados por organização criminosa e concussão – quando um agente público exige vantagem própria para realizar uma contratação.
De acordo com o inquérito, o grupo chegou a receber mais de R$ 800 mil de uma única cooperativa, a Coopatag. Na época, a entidade conseguiu uma decisão judicial para retornar à licitação, depois de ser considerada “inabilitada” para o contrato. Mesmo com a sentença em mãos, a Coopatag teve de pagar propina para voltar a concorrer, diz o MP.
O valor de R$ 800 mil – supostamente reajustado para cima pelo próprio Fraga – teria sido pago em três parcelas, entregues no Aeroporto JK, no Jardim Zoológico e no Núcleo Bandeirante. De acordo com as investigações, a Coopatag só voltou para a disputa da licitação quando a primeira parte do valor já tinha sido paga.
A denúncia contra Fraga foi apresentada ao Tribunal de Justiça do DF em 2011. Em 2014, quando ele foi eleito deputado federal e ganhou foro privilegiado, o processo “subiu” para o Supremo Tribunal Federal.
Segundo o inquérito, Fraga também intimidou representantes de cooperativas, na tentativa de entender a suposta propina recebida por Júlio Urnau. Em outro áudio, o deputado conversa com Magrão e o então presidente da Associação das Cooperativas de Ônibus do DF, Fontidejan Santana.
Na conversa, Fraga pergunta a Santana sobre um repasse de R$ 1,5 milhão que teria sido feito a Júlio. Em resposta, ouve que o valor real era ainda maior, de R$ 1,7 milhão.
Fraga: Bem, eu acho que… tem um tititi danado, né, na cidade e aí talvez (…) existe os comentários. Mas o que me disseram, Santana, é que você teria dado pro Júlio um milhão e quinhentos mil reais.
Santana: Hunrum.
Magrão: E aí?
Santana: E não foi só eu que dei, né?
Magrão: [Repete] E não foi só eu que dei.
Ouve-se risos ao fundo, e um dos envolvidos fala: “Isso, eu gostei de ver”.
Fraga: Aí, aí é que tá. Mas aí, o outro seria então o Noel. Diz que o Noel deu um milhão e setecentos?
Magrão: O [Manco].
Santana: Eu num sei quanto é que ele deu, mas…
Magrão: O [Manco], o [Manco deu].
Fraga: Agora, Santana, como é que você, sabendo o meu jeito de ser, como é que você entra numa dessa?
Santana: Você não estava aqui. Você não estava aqui. Se você estivesse aqui, eu num teria feito. Eu tinha vindo aqui conversar, você não estava.
Magrão: Você se lembra aquela vez que o Santana pagou… quando nós entramos na licitação, o Santana num pagou um milhão e setecentos, foi? Foi um milhão e setecentos. Um milhão e setecentos que ele depositou e depois num conseguiu o resto e o dinheiro ficou preso?
Fonte: G1